A lua como testemunha

 

Por Minervino Wanderley

A noite dava seus primeiros sinais de chegada quando ela levantou-se da rede. Caminhou lentamente até a varanda da casa. Completamente nua. A solidão da praia deserta era um convite para que ela abolisse qualquer veste. A silhueta do seu corpo moreno deixava ver suas ancas balançando num ritmo que só as mulheres sensuais possuem. Na passagem, pegou uma garrafa de vinho e uma taça. Estava ansiosa para ver o surgimento da lua cheia. Havia uma certa cumplicidade entre elas. Coisa que os simples mortais jamais entenderão.

Com calma, sorveu um gole do seu companheiro. Apertou os olhos castanhos em busca do horizonte. Fixou-os na linha que une o mar e o céu. Não tinha pressa. Aproveitava cada momento do ritual. O vinho aqueceu seu corpo e sua alma, dando-lhe uma gostosa e egoísta sensação.

Mordeu os lábios e deixou que seus pensamentos a levassem numa viagem cujo destino era desconhecido. Passou por momentos tristes, outros felizes, alguns somente porque foi obrigada a passar.  Nada marcante, apenas partes da vida. Passou pelos amores que por ela passaram e parou em um que teimava em não passar.

Há dias que não via aquele que a fazia realmente feliz. Noites de aconchegos inesquecíveis. Sorriu e tomou outra generosa porção da sua bebida, brindando à certeza de que breve o encontraria. Ela tinha uma aliada poderosa que estava por chegar. Isso a tranquilizava. E, como se tivessem selado um acordo, a fiel amiga começou a aparecer. Na medida que a lua subia no agora claro céu, ela subia também. Lado a lado, as duas formavam um quadro de rara beleza.  Daqueles que só a Natureza sabe pintar.

Foi à beira da praia para chegar mais perto dela. O mar era seu elo. A garrafa de vinho numa mão e a taça na outra. Estava feliz. Por existir e por ter o prazer de poder sentir e compreender as coisas do cotidiano. Gostava daqueles momentos de paz e da solidão opcional. O homem que a amava a compreendia e, talvez – e também – por isso, ela o amasse tanto.

Ergueu os olhos e, contemplando aquela beleza que iluminava o céu, certificou-se de que a liberdade é uma condição para ser feliz. Riu, já que era uma contradição, porque seu homem a prendia exatamente por deixá-la livre. Sentiu-se como a lua, que era bela como ela, admirada como ela, parecia livre como ela, mas ambas tinham seus grilhões. A lua era presa pela gravidade da Terra. Já ela era presa à vida pelo amor que sentia por ele.

Caminhou entre as ondas e deixou a água banhar seu corpo.  Lentamente, o mar foi acariciando cada pedaço dela. As pernas, as coxas, o ventre, a barriga, os seios, até chegar ao pescoço. De olhos fechados, saboreava cada instante. Impossível dizer por quanto tempo, posto que, nesses momentos mágicos, ele simplesmente para. O mundo fica estático. A Natureza, sábia, aprecia muito quem sabe usá-la.

Saciada, iniciou o caminho de volta ao seu refúgio. Alma leve e o peito aquecido. Quando levantou a vista em busca da sua casa viu o desenho de uma pessoa encostada numa das vigas de madeira da varanda. Acostumou a visão à escuridão e não conteve uma lágrima de felicidade. Era ele que a esperava! Ele era assim. Imprevisível e extremamente carinhoso. Ela adorava essas qualidades. Seu sorriso franco e sua voz grave a encantavam. Com o coração acelerado, apressou os passos na direção dele, que também já vinha ao seu encontro. Abraçou aquele corpo que tanto gostava, sentiu a boca ávida dele em busca da sua e, de olhos fechados, deixou-se levar.

Estava presa, agora.

Embora as chaves do seu cárcere sempre estivessem ao alcance das mãos, ela não fazia questão de pegá-las. Na verdade, lá dentro de sua alma, desejava que aquilo tudo fosse uma prisão perpétua. (MW)

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