Histórias de Juiz: ‘O ladrão azarado’

Por Moacir Leopoldo Haeser*

Existem pessoas que sofrem de cleptomania, impulso incontrolável que leva alguém a furtar, não se importando com o valor da coisa.

Algumas ficam nervosas durante a prática do crime e se caracterizam por defecar no local.

Lembro de um furto ocorrido no grupo escolar onde estudei – e que fizeram o “serviço” sobre a mesa da diretora… Em outro caso célebre, um policial, revoltado pela excessiva bondade do juiz com os ladrões, teria indicado a casa do magistrado a um deles.

Em determinada comarca em que atuei, a prática do furto era uma característica já familiar pois os três irmãos eram dados à “atividade”. Interessante que praticavam os furtos à luz do dia, desfilando pelas ruas com os objetos furtados, tornando mais fácil o trabalho policial.

Cheguei à conclusão que intimamente desejavam retornar à prisão, pois era o ambiente que conheciam e onde se encontravam todos os seus amigos. Sua personalidade exigia uma rotina e controle que não encontravam na vida em liberdade, onde deveriam decidir por si próprios e buscar a sobrevivência econômica.

A falta de uma formação profissional e a possibilidade de conseguir um trabalho digno, aliado à deformação da personalidade, levava outro a praticar pequenos furtos. Meus conselhos pouco adiantavam e ele já chegava à sala de audiências pedindo desculpas pela prática de mais um delito. Tinha mulher e filhos – o que era a desculpa para sua conduta. Não era perigoso, mas não se controlava perante uma oportunidade de furtar.

Numa ocasião o larápio entrou na residência de um conhecido empresário da cidade, enquanto este e o filho dormiam. O safado desligou silenciosamente os cabos e se preparava para sair com o televisor, quando avistou a adega envidraçada. Nela havia garrafas de vinhos e litros de whisky importados. Nunca havia experimentado algo assim e não pôde resistir, deslumbrado pelos rótulos coloridos em língua estrangeira. Experimentou um, depois outro e foi seguindo a degustação…

Depois de algum tempo e quase uma dúzia de goles, sua coordenação motora já não estava perfeita. Foi inevitável fazer barulho com as garrafas e copos de cristal do empresário que se acordou e foi até a sala, armado com seu revólver, flagrando o invasor.

A ordem para levantar os braços e permanecer imóvel soou pela casa, acordando o menino, filho do conhecido empresário. Este correu para a sala e deparou-se com o pai apontando o revólver para o ladrão que cambaleava por efeito da fina bebida.

Apavorado o filho grita:

– Não atira, pai. É o fulano que lava sempre o nosso carro…

O empresário conteve-se e ligou para a polícia, mantendo o invasor sob a mira do revólver.

Quando a viatura policial aproximou-se, com a sirene ligada, o ladrão desesperou-se e correu para a sacada, que felizmente não era alta, saltando e desaparecendo na escuridão.

Em outra ocasião o mesmo larápio ingressou num hotel da cidade e furtou o rádio de um hóspede. Na época não havia televisor nos apartamentos e nem se ouvia falar em aparelho celular. Ou se assistia o televisor coletivo no saguão ou ouvia-se rádio para inteirar-se das notícias políticas, futebol ou música.

Após praticar o furto do rádio e já preparando-se para sair, o intruso olhou para aquela belíssima cama, bem arrumada, com lençóis brancos e travesseiros macios, com o emblema do hotel, e não pôde resistir. Resolveu deitar-se naquela cama convidativa, pelos menos um pouco, porquanto nunca estivera hospedado em um hotel… Espreguiçou-se, estendeu as pernas e deixou-se relaxar naquela cama macia.

Não sabe quanto tempo se passou. Acordou-se sobressaltado com os gritos da polícia, do proprietário do hotel e do hóspede assustado que buscara ajuda ao flagrar o invasor em sua cama.

Mais uma vez acusado de tentativa de furto, inquérito e processo criminal, não pôde o juiz deixar de esboçar um sorriso ao interrogar mais uma vez o ladrão azarado…

 

*Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, advogado em Santa Cruz do Sul (RS).

 

Fonte: espacovital.com.br

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Comentário (1)

  • Aderson Ulrico de Oliveira Cavalcanti Responder

    Muito bom.

    6 de agosto de 2022 at 14:05

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