Lembranças de Paris, da Natal de outrora… (Dalton Mello de Andrade)

Foto: dicasdeparis.com.br

Não, não cheguei agora de Paris, Apenas sonhei com uma aula sobre a Revolução Francesa, do Professor Véscio Barreto, que foi um dos melhores professores que tive no Atheneu. Como eu não tenho perda de sonho como se tem perda de tempo, aqui vai a história.

Chegou com um mapa de Paris e o pendurou no quadro. Começou mostrando a disposição da cidade, seus edifícios e monumentos principais, passeou por todas as ruas importantes e descreveu os prédios nelas existentes.

Entramos na Notre Dame, literalmente, quando comentou sobre os vitrais, contou a ficção do Corcunda, e terminou na Bastilha. Começou então a mostrar o antes e o depois da Revolução, suas figuras, seus acertos e seus erros, seus exageros, o uso enlouquecido da guilhotina, o destino de Maria Antonieta.

Descrições tão vivas que a gente escutava, quase, o barulho da lamina no pescoço das pessoas. Alguns alunos lhe perguntaram, professor, quantas vezes o senhor esteve em Paris? Nunca, ele disse, mais li muito sobre a cidade; é como se tivesse estado lá. “Leiam, leiam, a leitura é tudo”, exortou. Não me esqueci desse conselho.

Depois de muitos anos, e muito esforço, em que procurava descrever as aulas de Véscio, só encontrei algo parecido nos filmes em cinemascope, anos e anos depois. Coloridos e com fundo musical. Vozeirão, gesticulando o tempo todo, alto e forte, uma figura que impressionava, só tinha um problema.

Quando se afobava, ninguém o segurava. E para a afobação, bastava chegar um aluno atrasado e pedir “dá licença, professor” (naquele tempo a gente pedia licença), para ele dar um show. Entrasse silenciosamente, tudo bem. Aulas inesquecíveis, como inesquecível é o Atheneu, prédio destruído pela inépcia de nossos “dirigentes”.

Como inesquecíveis são seus professores, que não faziam greve e nem faltavam as aulas. O Atheneu foi destruído, mas queriam conservar as ruínas do Reis Magos!

Dizer que Paris é uma grande cidade é repetir o óbvio. Fui à Paris algumas vezes, sempre bem acompanhado. Fui várias vezes com Alvamar Furtado e Odilon Garcia, ambos apaixonados pela cidade.

Reclamavam quando eu dizia que preferia Londres, o que dizia para ver a reação. Sempre demorávamos em redor de uma semana, dez dias. Caminhávamos muito, íamos aos templos das artes e do consumo, que eu e Alvamar adorávamos, mesmo sem gastar nada, e Odilon não gostava mas nos acompanhava, sem reclamar.

Em compensação, quando íamos ao Louvre ou a uma livraria, ele se soltava e era difícil arrancá-lo. Tínhamos que prometer, vamos tomar uma. Tempos inesquecíveis.

Não me peçam para escrever sobre as ruas de Natal. Os nomes foram mudados, as praças foram destruídas, o passado está sendo esquecido. Saudosistas, como eu, são considerados velhos caducos. Junqueira Aires, hoje é, parece, Câmara Cascudo. Rua da Palha, Vigário Bartolomeu; 13 de Maio, Princesa Isabel.

No Alecrim, as avenidas numeradas, e que o povo ainda usa como nome, viraram Presidente não-sei-quem – até hoje não consigo juntar nome com número. A rua onde meu pai tinha o seu escritório, chamava-se das Virgens, depois Câmara Cascudo, hoje, não sei. A Junqueira Aires, das mais tradicionais, também mudou de nome. Haja paciência!

Vivi minha infância, adolescência e juventude na Ribeira. Comecei estudando no Colégio Pedro II, que fica no oitão (oitão é muito antigo) do Teatro Carlos Gomes; hoje, chamam-no Alberto Maranhão.

Depois, fui para o Atheneu, que ficava nas divisas entre a Ribeira e a Cidade Alta. Mas continuei trabalhando na Ribeira, onde vivi a II Guerra. Só deixei de freqüentar a Ribeira diariamente quando deixei a firma e fui para a Universidade, em 1964.

Hoje, passar pela Ribeira me deixa triste – evito ir por lá -, em razão do abandono, desmanche, sujeira. Por sorte, ainda há alguns lutadores que por lá continuam, e os admiro. Torço para ver o seu ressurgimento.

 

Foto do Atheneu: https://www.skyscrapercity.com/threads/fotos-antigas-de-natal.970412/

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