Memória – Aída Curi: a tentativa de uma “curra” em 1958, um corpo jogado de um edifício …; injustiça?

Penal

No dia 14 de julho de 1958, Aída Curi – então com 18 de idade – caminhava com uma colega pela Rua Miguel Lemos, em Copacabana, após sair da aula do curso de datilografia na Escola Remington, quando as duas foram abordadas por três rapazes: Ronaldo Castro, 19 anos, Cássio Murilo, 17, e o porteiro Antônio Sousa, 27. Em determinado momento Aída afastou-se da amiga, e foi tentar recuperar objetos que lhe foram tomados pelos jovens — seus óculos e sua bolsa, onde estava o dinheiro para a condução.

A estratégia dos assediadores era usar os pertences para atrai-la ao prédio, o Edifício Rio Nobre na Avenida Atlântica. Foi uma violência sexual premeditada — na época conhecida como “curra” – e definida como “ação ou resultado de currar, praticar violência sexual e coletiva contra uma pessoa”. Em tempos modernos, seria estupro.

Segundo testemunhas, Aída foi puxada para dentro do elevador e, aos berros, chegou ao topo do prédio. Um jornal da época, noticiou que foi num apartamento do 12º andar, ainda em fase de acabamento, que ocorreu a luta dos agressores para a imobilização de Aída.

Ronaldo e Cássio foram ajudados pelo porteiro do prédio, Antônio. Durante 30 minutos, a jovem foi espancada, além de os agressores tentarem estuprá-la. A vítima teria caído desmaiada por causa da exaustão física. Seu corpo foi jogado do terraço, a fim de simular o suicídio da vítima.

O caso do direito ao esquecimento vai a julgamento esta semana no STF, onde chegou em 14 de novembro de 2016.

Se viva, Aída estaria atualmente com 81 de idade. Ela era a terceira dos cinco filhos de um casal de imigrantes da Síria, Gattás Assad Curi e Jamila Jacob Curi.

Autópsia

De acordo com o laudo médico da autópsia, realizada pelo Instituto Médico Legal, a vítima Aída morreu virgem, o abuso sexual não chegou a ser consumado. Conforme resposta à quesitação, “o corpo da vítima apresentava escoriações e equimoses provocadas por unhadas e socos. No peito, no lado esquerdo, aparecem sinais de profundas unhadas. Arranhões nas coxas, ventre, pescoço e equimoses no abdômen. Houve ruptura interna do lábio superior devido a um soco. Tentativas de estrangulamento. Sinais de forte trauma no queixo. Marcas nos braços, antebraços, punhos e dorso das mãos (significando “ferimentos de defesa”). Algumas marcas no tórax que podiam ser consequência de mordida.

As roupas da jovem foram examinadas nos laboratórios do Instituto de Criminalística do Departamento Federal de Segurança Pública. Ao reconstituir a cena do crime, os peritos constataram que por 30 minutos a jovem foi submetida a cruéis sofrimentos, violências e espancamentos.

Os peritos criminais concluíram que, para levar Aída ao estado de exaustão, um só agressor, mesmo usando de muita violência, não seria suficiente. Seriam necessários pelo menos duas pessoas agindo simultaneamente parar espancar Aída até o desmaio.

Defesas dos acusados

Os defensores dos acusados apresentaram uma versão afirmando que Aída teria se matado, se jogando do 12° andar para fugir do ataque de Ronaldo, Cássio e Antônio. Entretanto, havia indícios que desmentiam essa versão e levavam a crer que a moça realmente foi assassinada e não se suicidou. Entre as evidências está o lenço manchado de sangue encontrado na bolsa da jovem. A autópsia de Aída revelou ferimentos nos lábios, em função da bofetada de Ronaldo, confirmada por ele mesmo.

Além disso, Ronaldo confessou, em juízo, ter rasgado a saia e todas as roupas íntimas de Aída. A anágua da jovem foi encontrada toda ensanguentada. Outros indícios são os ferimentos puntiformes e em semicírculo no rosto, cujo diâmetro coincide com do anel do porteiro. Todavia, tudo isso foi desprezado pelo júri.

Na parede externa do parapeito do terraço os peritos encontraram marcas deixadas pelas sandálias de Aída, que rasparam quando ela foi jogada lá de cima, provando que ela não tinha se atirado. O corpo caiu rente ao edifício.

Alterações na cena do crime

Havia indícios de que os criminosos fraudaram a cena do crime. Os livros de Aída caíram ou foram colocados bem junto ao corpo da vítima, como se ela tivesse saltado do prédio com eles. Entretanto, dificilmente ela estaria com os livros ainda nas mãos após 30 minutos de violência e luta intensa contra três agressores.

No primeiro julgamento de Ronaldo Castro ele foi condenado a 37 anos e meio de prisão, 25 anos pela morte de Aída, o restante por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro. O porteiro Antônio Sousa foi condenado a 30 anos e Cássio, considerado como o verdadeiro assassino, não pôde ser julgado por ser menor de idade – ele tinha 17 de idade, no dia do fato.

Os defensores recorreram e conseguiram um segundo julgamento que aconteceu em março de 1959. Durante o novo júri de Ronaldo, o advogado Romeiro Neto questionou o médico-legista, Mário Martins Rodrigues, quanto a certas lesões encontradas nos seios de Aída Curi. Queria saber se eram marcas de dente ou não.

Foi nomeado o professor Raimundo Rodrigues, perito-odontólogo da Faculdade Nacional de Odontologia, que fez os exames das lesões suspeitas, tirou modelos em gesso dos ferimentos e fez os estudos necessários.

Concluídas as provas em gesso, o perito odontologista passou à segunda fase do processo: examinar as arcadas dentárias dos acusados. A pedido do juiz de Menores, Cássio foi examinado nos laboratórios da própria Faculdade Nacional de Odontologia, e o exame comprovou que o menor delinquente não era o autor das dentadas no busto de Aída. Assim, Cássio Murilo era inocente no caso das dentadas.

Restava ao perito examinar as arcadas de Ronaldo Castro e as do porteiro Antônio Sousa. Porém, essa perícia foi suspensa por decisão do juiz Souza Netto. Segundo o magistrado, “se Ronaldo deixou o edifício às 20h15, conforme prova testemunhal incontroversa existente nos autos, não interessava para o julgamento do mesmo fazer esses exames, porque estava provado pelo depoimento das testemunhas que ele apenas deu um tapa em Aída, não lhe arranhou com as unhas, não lhe deu dentadas e não a jogou do alto do edifício”.

Ronaldo foi absolvido da acusação de homicídio e ficando apenas com a pena pelos outros dois crimes. O júri julgou que o único responsável pela morte da vítima fora Cássio eximindo de culpa também o porteiro. Por ser menor e inimputável, Cássio Murilo foi encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor (SAM), de onde saiu direto para prestar o serviço militar. Alguns anos depois, ele foi acusado de matar um vigia de automóveis. Fugiu para o exterior até que a pena pelo assassinato fosse prescrita. Cássio teria sido assassinado em 1978, num incidente na Europa.

Houve ainda um terceiro julgamento em que Ronaldo foi julgado por homicídio simples e tentativa de estupro e condenado à pena de seis anos de reclusão. Após recorrer da sentença, o promotor Pedro Henrique Miranda conseguiu que a pena fosse aumentada para oito anos e nove meses. Depois de cumprir a pena, Ronaldo foi solto. Mais tarde se tornou empresário em seu estado, o Espírito Santo.

Cultura popular

O nome de Aída é citado por Rita Lee na parte final da música Todas as Mulheres do Mundo, bem como na canção Mônica, de autoria de Ângela Rô Rô, que trata de tema semelhante.

Aída tem algumas ruas com o seu nome no estado do Rio e pelo resto do país. Alguns exemplos: Rua Aída Curi: no Rio de Janeiro no bairro da Taquara, em Jacarepaguá; em Queimados (RJ) no bairro Jardim Guanabara; em São Gonçalo (RJ) no bairro Raul Veiga; em Ipirá (BA) no centro da cidade. (Com informações da redação do Espaço Vital, STF e Wikipedia).

Fonte: espacovital.com.br

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