Natal na II Grande Guerra: uma fonte de negócios ainda inexplorada (Minervino Wanderley)

Soldados americanos fazem compras na loja de Alcides Araújo – Foto: Acervo de Família

Com a sua atividade turística basicamente sustentada pelo binômio “sol & mar”, a cidade do Natal, ao longo dos anos, tem deixado escapar a oportunidade de fomentar novos negócios a partir da exploração do chamado “turismo histórico” – um nicho de mercado que gera significativas divisas em vários destinos do mundo.

Que Natal foi uma cidade abençoada pela Mãe Natureza, ninguém duvida. Incrustada no encontro do rio Potengi com o Oceano Atlântico, sua beleza é ímpar.

Seu amplo litoral, banhado por águas azuis e mornas, é um ponto turístico vastamente procurado por visitantes nacionais e internacionais. A proximidade com os continentes europeu e africano lhe põe em posição privilegiada no cone sul-americano.

Mas Natal, além de bela, também teve seus momentos de glória. Exatamente por sua localização geográfica, ela foi “colocada” em meio ao maior conflito da História, que foi a Segunda Guerra Mundia.

Ao servir de apoio às tropas americanas que se dirigiam aos combates na Europa e África, Natal contribuiu, de forma, significativa, para o sucesso dos aliados, deixando, dessa forma, seu nome escrito no cenário mundial

Aqui, em 1942, foi construída a maior base americana fora dos Estados Unidos. Aos cerca de 35.000 natalenses que compunham sua população, se juntaram mais de 10.000 soldados americanos, fato que alterou a feição da cidade, deixando-a com ares “americanizados”.

Em razão disso, os hábitos dos natalenses foram profundamente alterados, como, por exemplo, as moças passaram a fumar, a beber e a frequentar bailes, no mais perfeito estilo americano.

E assim, Natal perdia aos poucos suas características de cidade pequena, provinciana. Seus habitantes, que até então levavam uma vida modesta e tranquila, passaram a compor um cenário cosmopolita, quando por aqui transitaram um sem número de pessoas de outras nacionalidades.

Anna Eleonor Roosevelt, primeira-dama dos EUA, participa de solenidade em Parnamirim – Foto: CD Natal 400 anos

Podemos destacar figuras importantes, como D. Francis J. Spellman (arcebispo de Nova York), Bernard (príncipe da Holanda), Higinio Morringo (presidente do Paraguai), Sra. Franklin D. Roosevelt (Primeira-dama dos Estados Unidos), Sr. Noel Cherles (embaixador do Reino Unido no Brasil), a madame Chiang Kai Chek (Primeira-dama de Formosa), T. V. Soong, ministro das Relações Exteriores da China, os atores Humphrey Bogart, Clark Gable, o músico Glenn Miller, o cantor Al Johnson, entre outras personalidades.

Mas, o que restou de tudo isso? Qual a herança histórica de Natal? Quase nada. Enquanto vemos cidades como Casablanca, no Marrocos, também por sua condição geográfica, teve importante papel na Guerra, servindo, inclusive, de pano de fundo para um clássico do cinema, Natal mereceu um registro – acanhado, diga-se de passagem- quando aqui foi filmado “For All – O Trampolim da Vitória”.

Insisto: não se concebe a ausência de um museu preservando aqueles momentos ímpares da nossa história. Quantos turistas, principalmente americanos, seriam atraídos por esse pedaço de memória? Infelizmente, continuamos com o mesmo espírito tacanho, quando os feitos dos outros são mais importantes que os nossos.

Personagens como Maria Boa e Zé Areia têm que ser resgatados e colocados nos livros de História. Eles não podem – nem devem – existir somente na memória dos antigos. Fizeram parte, de forma ativa, daquela Natal fervilhante.

Maria Boa, com seu bordel que encantou a todos que por lá passaram, foi merecedora de uma homenagem dos americanos, quando pilotos dos famosos B-25 pintaram sua imagem em um dos aviões.

Flávio Silva, no seu trabalho “Natal na Segunda Guerra Mundial: influência americana e prostituição feminina”, conta que “cercada por muros altíssimos, iguais às fortalezas de guardar donzelas nos tempos medievais, protegida dos olhares indiscretos e sombreada por enormes mangueiras, a boate de Maria Boa, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, estava para a boêmia local e internacional assim como o Maracanã está para o futebol mundial”.

Já Zé Areia, com sua “verve”, fez rir toda uma geração. Sua convivência com os soldados americanos é merecedora de obra literária. Seu “comércio” com os soldados tem passagens hilárias.

Nesse contexto, há uma memorável passagem do nosso herói. Ele vendeu um papagaio muito novo, que tinha um ferimento na cabeça. Para cobrir o “defeito” da mercadoria, ele colou um selo postal. Como o americano estranhasse, ele foi rápido: “Com este selo, ele já está pronto para passar pela alfândega. Fiscalização muito exigente!”.

Figuras como Maria Boa e Zé Areia merecem ser eternizadas. Os visitantes precisam conhecer nossa história. Infelizmente pouco, ou quase nada tem sido feito visando isso.

Mas nada está perdido. Temos pessoas que se interessam por essas passagens. São aquelas que amam Natal. Esses natalenses, em conjunto com o poder público e a mídia potiguar, podem colocar essa parte da nossa história em evidência nacional e internacional. Feito isso, é certo que que Natal terá um dos maiores chamarizes turísticos do Brasil. É pagar para ver.

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Comentários (2)

  • Aderson Ulrico de Oliveira Cavalcanti Responder

    Belo artigo…

    18 de junho de 2022 at 21:24
    • Ione Macedo de Medeiros Salem Responder

      Excelente análise ! Você mesmo , com sua inteligência e verve , poderia capitanear um projeto desses , juntamente com outros estudiosos da história da II Guerra em Natal , com o patrocínio do governo do estado . Uma das críticas que fazem à Natal é a ausência de um turismo cultural . E a Rampa , já tem um projeto . O antigo aeroporto de Parnamirim também .

      20 de junho de 2022 at 13:46

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