O Dia da Mãe! (Minervino Wanderley) 

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Naquela manhã, Pedro acordou meio diferente. Sentiu cansaço de fazer a mesma coisa todos os dias. Nada de mais, nem de menos. Tudo igual. Sentou-se na rede já comprometida pelos inúmeros buracos feitos pelo tempo. Fechou os olhos como se não quisesse acordar. Foi abrindo aos poucos, olhou para o chão irregular do barraco e correu a vista pelas paredes carentes de um reboco, até chegar num arremedo de mesa. Sobre ela, sua mãe, Aurora, havia deixado um pão e um copo de café.  

A mãe trabalhava longe e acordava ainda no escuro para não perder a hora. Pedro só a via quando chegava do trabalho já depois das novelas. Os dois, cambaleando de cansados, mal se abraçavam. O silêncio e o olhar que eles trocavam já traduziam como tinha sido mais um dia nas suas trôpegas vidas. Só tinham um ao outro. E a mãe, Aurora, era a razão de viver de Pedro. 

Enquanto lavava o rosto e escovava os dentes – sua mãe era pobre, mas gostava de das coisas limpas e direitas – Pedro pensou nos sacrifícios que ela fez para criá-lo. Desde que engravidou, que foi quando o pai os abandonou. A mãe lavou roupa, cozinhou, fez faxina, o que aparecesse. Trabalhou até o momento que sentiu que o menino estava para nascer. A patroa, gente muito boa, cuidou de tudo. Com o parco dinheiro que ganhava, a mãe comprou um barraco para se abrigarem. Tinha uma cama, uma rede, uma mesa e até uma televisão. O fogão era daqueles de duas bocas. E até hoje moravam lá.  

“No outro domingo vai ser o Dia das Mães. Minha mãe merece tanta coisa e eu não posso fazer nada.”, Pedro falou para o pedaço de espelho pendurado. O peito apertou e nesse momento, pela primeira vez, ele teve vontade de ter dinheiro. Queria poder comprar um bocado de presentes para a mãe, que ela tivesse um dia de rainha. Era essa vontade que tinha acordado na cabeça de Pedro.  

Apressou-se porque o mundo real lhe chamava. Trabalhava como ASG naquelas lojas que emprestam dinheiro para aposentados. Entrava de manhã cedinho e saía junto com o gerente. Deixava tudo brilhando de limpo. Era muito bem visto e querido pelos funcionários. Além de ASG, fazia mandados para a turma. Comprava um chocolate para Dona Alzira, uma carteira de cigarros para Seu Armando, fazia o jogo do bolão da mega sena, essas coisas.  

Durante essas saídas, sempre aproveitava e dava uma olhada nas vitrines das lojas que vendiam televisões e deixavam ligadas só para o cara se encher de vontade de comprar. Com Pedro também era assim. Só que nessa segunda-feira uma coisa que passava numa das TVs lhe chamou a atenção. Era assim: 

“‘Uma senhora estava em casa aguando as plantas, quando, de repente, chegam seus filhos e, junto com eles, os netos e seus rostos sorridentes. Traziam presentes, comidas gostosas e a cobriram de beijos. Depois foram para a sala, ela abriu os presentes. Em seguida, sentaram-se à mesa para o almoço todo especial.” Tudo bem bacana.

Então Pedro teve a exata dimensão do amor e admiração que tinha por sua mãe. “É isso que ela merece!”, pensou ele, decidido. Mas Pedro não tinha uma prata no bolso. Somente o ticket do trem que o levaria de volta para casa. Nesse momento, ideias vieram em turbilhão à cabeça de Pedro. “Não tenho dinheiro, mas sei onde tem.”. A tentação batera à porta do juízo dele. Começou a traçar um plano para fazer aquele Dia das Mães do jeito que a mãe merecia. 

E Pedro saiu da intenção para o gesto. Na sexta-feira, como de costume, ficou até tarde no trabalho. Sabia onde o gerente guardava umas chaves que davam acesso a um cofre de onde ele tirava dinheiro para fazer os empréstimos. Pedro aprendeu o segredo. Passou a semana ao lado do gerente e decorou os números. Na hora da saída, ele disse ao gerente que o banheiro tinha ficado com um vazamento e era melhor ele cuidar logo daquilo. Como era de extrema confiança, o gerente deu-lhe a chave da porta e ensinou a ligar/desligar o alarme. 

Sozinho dentro da agência, Pedro pegou as chaves, abriu o cofre e seus olhos brilharam. Montes de dinheiro estavam lá. Consciente do que estava fazendo, pegou uma quantia que julgou suficiente para seu desejo, fechou tudo e saiu. Da calçada viu os bares cheios, a cidade começava mais um fim de semana. 

Pedro sabia que aquele seria seu último fim de semana como trabalhador. Mas a vontade de fazer daquele domingo o Dia das Mães somente para a sua mãe, lhe tirou qualquer temor. “Ela se sacrificou muito por mim, agora é minha vez de fazer por ela.” 

Quando chegou em casa, Pedro fez uma cara de quem está feliz. A mãe estranhou, mas ele foi rápido: “Ganhei no bolão que fizeram na empresa!”, falou com o sorriso aberto. Aurora, como não poderia ser diferente, deu-lhe um apertado abraço. Nem perguntou quanto. Só ver o filho feliz para ela era suficiente. 

  • Mãe, amanhã vamos no shopping comprar umas coisas, mas primeiro vou lhe levar num salão de beleza. A senhora vai ficar ainda mais bonita. E lá também tem manicure, essas coisas todas, viu? E vai ser tudo de táxi. Nada de ônibus ou trem. – a mãe olhava incrédula para Pedro e pensou: “Sabia que esse dia iria chegar, afinal ele é um rapaz exemplar e merece isso. “  

E assim foi. Foram ao salão de beleza e a mãe saiu irreconhecível. Comprou um fogão, uma tv das grandes, uma geladeira, uma cama e uma mesa. Pagou à vista e a loja garantiu a entrega nesse mesmo dia. Cumpriram o acordado. 

No domingo, Dia das Mães, chegou um carro com peru assado, arroz, farofa, maionese e refrigerante. Pedro falou: 

  • Mãe, chegou nosso almoço! 

Comeram de se empanturrar e foram se deitar. Só se levaram à noite para inaugurar a TV enorme. Depois, cansados, foram dormir. A mãe estranhou porque Pedro não tinha comprado uma rede nova. “Depois ele vai comprar.”, pensou ela e, feliz pelo dia, caiu no sono.

Ora, ele sabia que ia passar uns tempos dormindo em outro canto, longe dela, mas não ligou para isso. O que importava era a felicidade da mãe. Na segunda-feira, acordou mais cedo que ela, deu-lhe um beijo na testa e partiu para a empresa. Sabia que a polícia já estaria sendo acionada e não queria que fossem lhe prender na frente da mãe.  

Lá chegando, o gerente nervoso, os funcionários agitados e a polícia fazendo anotações. Pedro chegou e falou em voz alta: 

  • Eu tirei o dinheiro. Podem me prender.  

Assim o fizeram. Só uma coisa ficou sem explicação nas cabeças de todos que lá estavam: Pedro estava tranquilo, até esboçava um sorriso.  

Mas o motivo desse comportamento só Pedro sabia: enfim, sua mãe, Aurora, tinha tido um Dia das Mães.

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Comentários (4)

  • Cyra Responder

    Amigo, lindo texto. Como sempre,escrevendo com muita sensibilidade.mil beijos

    7 de maio de 2021 at 14:47
  • Anônimo Responder

    É triste saber que muitos Pedros existem. Parabéns pelo belo texto.

    6 de maio de 2021 at 22:06
  • Anônimo Responder

    Grande amigo, fiquei esperando o final que vc daria a crônica.

    6 de maio de 2021 at 12:40
    • Redação Responder

      Meu desejo foi mostrar que qualquer sacrifício vale a pena para deixar uma mãe sofrida ter um dia de felicidade.

      6 de maio de 2021 at 15:36

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