O dono da bola 

Nos meus tempos de menino buchudo eu sonhava em ser jogador de futebol. E cheguei até a um certo destaque, atuando nos campos de pelada que existiam nas proximidades de onde morava. Eram campos desconfortáveis, às vezes arenosos demais, outros duros em demasia, descuidados em sua quase totalidade, porém encantadores aos nossos olhos de futuros craques. Nestes campos de pelada eu e demais companheiros desfilávamos os nossos dias de infância e de pré-adolescência. Éramos guris envolvidos por uma realidade impregnada de pobreza, vivendo a Natal dos anos cinqüenta, uma bucólica cidadela modorrando uma letargia gostosa, espreguiçando seu charme provinciano entre o rio e o mar. A Redinha era o templo de veraneio da elite de então, Ponta Negra apenas despontava e Pirangi era um lugar distante do nosso dia a dia – algo quase inacessível.

Nessa vidinha de pouquíssimas perspectivas, o futebol, as peladas, os rachas, eram acontecimentos centrais em nossas existências. Mas tinha um problema: o dono da bola. Vivíamos sempre na dependência de um deles. E o que era pior: não jogava bulhufas. Normalmente era um filhinho de papai, presunçoso, arrogante, que tinha de maneira farta o que faltava abundantemente em nós: dinheiro. Com ele, o filhinho tinha acesso àquilo que era tão caro a nós: à bola – a tão cobiçada bola. Essa primazia era um tremendo entrave às nossas pretensões ao estrelato futebolístico. Para jogar era necessário convencer o dono da bola. E nem sempre suas pretensões combinavam com as nossas. Para ele ceder a bola chegava até a fazer propostas totalmente fora do nosso alcance. Exigia, por exemplo, ser o goleiro do time. Aí – como o gajo não jogava nada – nossa derrota já estava escrita até nas estrelas.

Outros queriam a posição de centro-avante. Era outro problemão. Com ele dificilmente nosso time poderia marcar gols. No mínimo sua escalação complicava o nosso desempenho em campo. Em suma, ou na defesa ou no meio de campo ou no ataque, o dono da bola era sempre “persona non grata” pelo pouquíssimo futebol que apresentava. Mas era sempre o dono da situação em razão de ter nas mãos a bola que tanto precisávamos. Parada duríssima. Como ao dono da bola, rigorosamente falando, parecia está vedado o sucesso no terreno futebolístico, pelas poucas qualidades técnicas que possuía, só lhe restava, então, fazer com que o aprendizado dos demais se tornasse um objetivo mais duro de conseguir, mais difícil de buscar – mais suado, enfim. O interessante é que olho para a vida atualmente e enxergo nela a repetição do mesmo fenômeno: os donos da bola estão em todo canto.

São pessoas, em sua grande maioria, insensíveis, despossuídas de respeito pelos outros, porém detentoras de extensas parcelas de poder, ocupantes de cargos de importância vital na vida de largas parcelas da população. Vejo hoje ainda – da mesma forma que mendigávamos a cessão da bola para usufruir um pouco de lazer e atinar para um futuro melhor naquela distante Natal dos anos cinqüenta – a grande maioria da população à espera de uma chance, de uma oportunidade para alcançar um horizonte mais digno para viver. Há exceções, graças a Deus. Mas ainda há um grande número de donos da bola atrapalhando, atravancando, obstruindo o direito das pessoas de crescerem, de progredirem, de seguirem em frente, de conquistarem o alcance de sonhos e ambições. Pessoas desejosas de se livrarem da pobreza, da miséria, da ignorância. Carentes, portanto, de libertação.

Os donos da bola estão aí. Em posição de passarem a bola para outros, porém interiorizando uma alta taxa de egoísmo e individualismo. Com isso, impedindo o próximo de disputar em melhores condições o campeonato da vida. Falando nisso, lembra-se quando Jesus celebrou a última ceia? E a ênfase toda especial que deu ao partir do pão? Ali, Jesus nos exortava a repartir também o que temos de melhor. A colocarmos à disposição do próximo todo o acervo que conquistamos ao longo da vida. O talento, a alegria, a inteligência, a capacidade de fazer os outros chegarem aonde não chegariam sozinhos. Em linguagem de futebol distribuir o jogo. Na ótica de Jesus: repartir, dividir, doar. Tem gente esperando o cruzamento da bola para fazer gols, muitos gols. O que você está esperando? Imagine você na ponta. Sozinho, desmarcado. Para cruzar a bola basta se dispor. Se cruzar é gol. Vamos lá? Cruzou. É gol, gol, gol. Goooooooooool……… Já imaginou se é gol de placa?

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