O Tratado de Tordesilhas. Por que as 370 léguas?

 

 

Por Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto* 

O Tratado de Tordesilhas está entre os principais marcos e garantia da expansão marítima portuguesa. 

Os conflitos entre Castela e Portugal na década de 1470, foram resolvidos com Tratado de Alcáçovas, assinado em 1479, onde concordaram em reconhecer o domínio castelhano sobre as Ilhas Canárias e a concessão de todas as terras ao sul delas para Portuga, o que foi aprovado pelo Vaticano, como era costume na época. 

Em maio de 1493, os monarcas católicos concederam a Colombo o título de Almirante do Oceano afirmando que era de Espanha tudo que passava, de Polo a Polo, além da linha entre os Açores e o Cabo VerdeAcredita-se que foi o próprio navegador genovês quem aconselhou os monarcas a inserir essa linha nas bulas editadas posteriormente.  

Mas no mesmo anobula papal Inter Coetera determinou que essa linha passava a 100 léguas a Oeste do Cabo Verde. O rei João II de Portugal reagiu afirmando que o Tratado de Alcáçovas havia sido violado e pressionou para que fosse negociado um novo acordo com os monarcas católicos, porque tinha certeza que essa nova linha passava pelo Mar Oceano. Isso comprometia a supremacia e projeto português de chegar à Índia. Em um novo Tratado, as partes acordariam em estabelecer uma nova linha de demarcação entre suas esferas de influência no Atlântico, além das 100 léguas, da ilha mais a Oeste do Cabo Verde – Santo Antão. 

Assim, as negociações finalmente levaram ao Tratado de Tordesilhas. O objetivo de D. João era claropor causa de seu relacionamento tenso com o Papa e também pelos laços estreitos com os monarcas católicos. 

  1. João soube escolher magistralmente seus embaixadores, destacando-se, Rui de Sousa, Senhor de Sagres eBeringel, seu filho D. João de Sousa, almotacémor do reino e Aires de Almada, corregedor da corte, todos de bom saber, grande confiançamuita autoridade. A Duarte Pacheco Pereira, o maior cosmógrafo português e um dos mais experimentados navegadores do seu tempo, caberia chegar a uma longitude mais conveniente a Portugal. Também participavam vários fidalgos, de maneira que nunca saíra de Portugal tão seleta comitiva. 

Antes de fecharem o acordo, D. João se reuniu com Isabel e Fernando, exigindo que a nova linha passasse a 250 léguas do Cabo Verde. Precipitadamente Fernando exigiu que Portugal abrisse mão de Melilla e Cazaza, dois portos importantes no hoje Marrocos. D. João se retirou revoltado, depois voltaram à mesa de negociações, mas D. João concordou desde que a nova linha passasse a 370 léguas do Cabo Verde, o que foi aceito pelos reis católicos. Isso significou mais 120 léguas, ou seja, desde (aproximadamente) a foz do Rio Parnaíba até a foz do Rio Amazonas. Nem Jaime Ferrer, cosmógrafo oficial de Castela, percebeu a jogada, pois pensava que Portugal tinha em mente apenas o Atlântico, o que Castela já tinha descartado. 

Com Tordesilhas, portugueses e castelhanos também dividiram o reino de Fez para futuras conquistas e regularam os direitos de pesca e navegação ao longo da costa africana, garantiram os territórios de Melilla e Cazaza para os castelhanos, evitaram a pesca até o Bojador e as operações de assalto a esses territórios, até o Rio do Oro.  

O período entre 1492 e 1500 foi extraordinário, principalmente, a conquista de Granada, a chegada de Colombo à América, o Tratado de Tordesilhas, o reconhecimento da Nova Terra, a chegada à Índia e o Descobrimento Oficial do Brasil. 

*Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto é sócio efetivo do IHGN 

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Comentários (8)

  • RAFAEL FORMENTON CITA Responder

    Estimado Manoel, obrigado pelos esclarecimentos, acredito que o Tratado de Tordesilhas é “uma pista” daqueles fatos que poderão um dia melhor esclarecer a história do achamento do Brasil.

    11 de julho de 2020 at 23:45
  • Sergio Pinheiro Responder

    Excelente texto Mestre Mannoel.

    7 de junho de 2020 at 17:52
  • josé narcelio marques sousa Responder

    Excelente explicação Neto. Confesso, que após ler Isabel de Castela e assistir a extraordinária série ISABEL, fiquei curioso de saber como se processou o Tratado de Tordesilhas.
    Seu artigo preencheu as lacunas que me faltavam. Valeu, amigo.

    7 de junho de 2020 at 17:08
  • Sérgio Frederico Dantas Responder

    Um artigo pertinente e esclarecedor. Parabéns ao autor.

    7 de junho de 2020 at 16:35
    • Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto Responder

      Sérgio. A História não pode se estratificar. Até pouco tempo o Tratado de Tordesilhas era algo secundário para mim. Nas minhas pesquisas/investigações procuro analisar e debruçar no pensamento da época. Ler no português ou espanhol medieval não é fácil e temos que estar comparando palavra por palavra com a linguagem contemporânea. Além disso, colocar seu pensamento em texto curto que seja agradável para o leitor se aproximando o máximo da verdade de um fato que ocorreu há mais de 500 anos. Obrigado.

      9 de junho de 2020 at 00:23
    • Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto Responder

      Sérgio. Quem escreve deve esclarecer e, pelo menos tentar, baseado em documentos confiáveis e comprovadamente reconhecidos. O pesquisador da História diferentemente do romancista, que pode fantasiar e criar fugindo um pouco, ou muito, da verdade. Isso não quer dizer que os romances históricos não são valiosas fontes para consulta.

      9 de junho de 2020 at 00:37
  • Sérgio Frederico Dantas Responder

    Um comentário pertinente e esclarecedor. Parabéns ao autor.

    7 de junho de 2020 at 16:32
    • Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto Responder

      Ok Narcélio, estamos acostumados ao termo pesquisar, enquanto os portugueses preferem usar investigar. São comuns entre si com sutis diferenças. Em uma entrevista, numa série ou mesmo num livro é preciso descobrir fatos ocultos em uma simples frase e que possam levar o pesquisador/investigador a aprimorar seu trabalho. Na série “Isabel Rainha de Castella” na cena das tratativas entre D. João II e Isabel, Fernando solta uma frase que mudou o rumo das negociações e isso levou a acordarem as 370 léguas. Isso me fez aprofundar no assunto procurando documentos e livros da época, minhas fontes primárias, porque as fontes secundárias muitas vezes retratam a opinião do autor, distorcendo a verdade. Difícil depois foi tentar transmitir meu pensamento em pouco mais de 500 palavras sem me afastar daquilo que realmente aconteceu. Hoje procuro escrever textos curtos compreensíveis para o leitor, inspirado nas “Folhas Volantes”, comuns na península ibérica entre 1480 e 1500.

      9 de junho de 2020 at 00:09

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