SOB O SOL DA MEIA-NOITE: UMA AVENTURA NA ANTÁRTICA (FOTOS)

O fotógrafo Edson Vandeira conta como é viver (quase) o tempo todo sob a luz do dia na Antártica, fenômeno que ocorre no verão no Polo Sul

Texto: Juliana Sayuri

Fotos: Edson Vandeira

Era alto verão e o fotógrafo paulistano Edson Vandeira, de 32 anos, se preparava para enfrentar uma trilha na isolada ilha Vega, onde os termômetros ficam na casa de 0º C durante a temporada.

Teoricamente, não é tão frio, se comparado ao gélido inverno que marca os arredores, mas o vento derruba a sensação térmica para -15° C. Isso porque a ilha faz parte da Antártica, o continente mais gelado do mundo.

Desde 2013, Vandeira passa verões como esse na Antártica, em expedições que duram cerca de três meses. Lá, ele é um dos alpinistas responsáveis por garantir a segurança dos cientistas que se enveredam pelo território para desenvolver estudos arqueológicos, climáticos e geodinâmicos; a iniciativa ainda abarca áreas como biologia e paleontologia, passando por medicina polar. Antes de se tornar fotógrafo, aliás, Vandeira é montanhista de primeira linha.

Aos 18, ele escalou a primeira montanha, o Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira (SP), e não parou mais. “Foi um momento de despertar. Foi ali, no topo, que vi que era isso o que eu queria para o resto da minha vida”, lembra. Depois, fez cursos para se especializar como guia de montanha e se viu mergulhando na fotografia como “uma alternativa natural” para registrar as altitudes que lhe cruzavam o caminho.

Aos 24, inscreveu-se no Programa Antártico Brasileiro. Desde então, o fotógrafo foi sete vezes para lá no verão. A expedição número 8 ocorreu entre outubro e dezembro – no último Natal, lá estava ele a bordo de um navio da Marinha na rota de volta ao Brasil, quando começou a conversar com a reportagem de Nossa.

“É interessante como a Antártica é vista como um lugar longe por nós, brasileiros”, diz o fotógrafo. Não só pela distância geográfica, mas pelo imaginário longínquo que se construiu ao redor do continente gelado, pondera.

Às vezes é difícil imaginar que ali, no alto verão, há temperaturas mais amenas que permitem o emergir de uma vegetação verde quebrando o branco dominante da neve, exemplifica o escalador.

“Muitos têm a impressão de que a Antártica é um branco total, mas na verdade há muita cor, nuances, tons de cinza e, no verão, com o derretimento na neve, acontece uma explosão de vida da vegetação, com gramíneas, musgos, liquens, é lindo. É um show de cores no contraste com o branco.”

No verão, ocorre o fenômeno do sol da meia-noite, quando há incidência ininterrupta de luz solar nos polos. Quando é verão no Hemisfério Norte, habitantes de certas regiões próximas ao Círculo Polar Ártico podem ver dias com 24 horas de luz. Quando é verão no Hemisfério Sul, é a vez do Círculo Polar Antártico. “A luz é mágica, incrível, dura muito tempo, dá para aproveitá-la ao máximo possível”, relata Vandeira.

Na parte continental da Antártica é onde ocorre o fenômeno. O sol marca o horizonte o tempo todo no verão. Nas expedições em campo, nas ilhas e na península antártica, porém, o sol chega a se pôr por um breve momento, conta. “Mas, entre dezembro e janeiro, não chega a escurecer totalmente. É uma penumbra, o sol se põe e logo amanhece. Se você fizer uma foto nesse momento, mal dá para saber se é um entardecer ou um amanhecer. Está sempre claro.”

Às vezes é difícil dormir – ou identificar se é dia ou noite -, com o sol quase alto até 11 horas da noite e de volta ao horizonte às 2 horas da manhã. Nas barracas, alpinistas e pesquisadores usam tapa-olhos para fugir da luminosidade, mas a certo ponto o corpo lhes avisa que está na hora de acordar para mais um dia de expedição. O papel dos alpinistas é garantir a segurança nos deslocamentos por terra, o que implica traçar rotas dadas as condições meteorológicas, avaliar riscos e se antecipar a imprevistos.

Lá, montanhistas são escalados para três tipos de trabalho: na Estação Antártica Comandante Ferraz (a base brasileira na ilha do Rei George), nas embarcações da Marinha ou nos acampamentos isolados em ilhas remotas.

Quando pesquisadores definem pontos de interesse científico para explorar, montanhistas preparam o terreno: analisam a área, assinalam equipamentos necessários e conferem os materiais que serão levados por helicóptero aos campings congelantes: cerca de 100 caixas, com 2 a 3 toneladas de equipamentos, um suor de três dias para montar a estrutura toda.

Vandeira já ficou cerca de 60 dias acampado em ilhas no Mar de Weddell, uma região que é conhecida como “fábrica de icebergs”. Acampar é a praia dele. Apesar das intempéries, a sensação de liberdade é incomparável. “A gente sente a Antártica do seu jeito mais intenso, a natureza nua e crua, pulsando.”

Foi em uma dessas expedições que o fotógrafo paulista conheceu a bióloga gaúcha Natália Koch, 37, especializada no estudo de liquens, com quem hoje é casado. Em 2014, eles se conheceram num treinamento. Depois, passaram um tempo juntos no trabalho de campo já na Antártica. Em 2015, perto de uma ponta de rocha no continente gelado, ele a pediu em namoro. Estão juntos até hoje.

Às vezes, o tempo passa devagar demais na Antártica: certa vez, Vandeira ficou 14 dias intermináveis acampado sem poder ir a campo devido a nevascas. Outras vezes é bastante dinâmico, com intensas aventuras. De todo modo, mais lento se comparado à rotina das cidades. “Gosto disso. O tempo, tudo é diferente. Às vezes vem um silêncio profundo, quando o vento está tranquilo. É uma sensação de solitude, de paz.”

O montanhista consegue aproveitar janelas de tempo do trabalho para apreciar esses detalhes mais singelos e “ouvir o som profundo do silêncio”. E fotografar, sua segunda missão. “Aí entra meu lado de querer documentar e contar essas histórias”, diz ele, que está editando o documentário “Antártica Verde”, que traz registros de suas expedições.

Nos verões na Antártica, é possível ver de perto sintomas das mudanças climáticas. “Fevereiro de 2020, pré-pandemia, a gente sentiu na pele um calor fora do comum para a latitude do Mar de Weddell, foi o mês mais quente da história na Antártica”, relata. Na época, foram registrados 18º C na estação argentina, a Esperanza, um recorde. “Isso só reforça a importância da presença da ciência ali. No fim, a Antártica não está tão distante de nós.”

Publicado em 26 de janeiro de 2022.

Reportagem: Juliana Sayuri
Edição: Eduardo Burckhardt
Imagens: Edson Vandeira
Design: René Cardillo

DO UOL

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