COMO CIDADE DO PIAUÍ VACINOU QUASE 200% DE IDOSOS CONTRA COVID

Falta de um novo censo do IBGE faz 90% dos municípios do estado imunizarem mais que o total em algumas faixas etárias

Idosos buscaram os postos de saúde para se imunizar contra a Covid: percentual, no entanto, não se sabe GOVERNO DO PIAUÍ/ DIVULGAÇÃO

do R7

A falta de um novo censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) coloca de forma equivocada a pequena Sebastião Barros, a 950 quilômetros da capital do Pauí, Teresina, como campeã na vacinação de idosos contra a Covid-19 no mundo. Mas não é preciso ser matemático para entender que os dados não fazem sentido.

De acordo com os números oficiais do vacinômetro do Ministério da Saúde, o município deu duas doses em absurdos 180,96% da faixa etária entre 75 e 79 anos e mais de 100% em todos os idosos. Considerando-se apenas uma aplicação, 198,29% dos moradores entre 60 e 64 anos passaram pelos postos de saúde com esse objetivo.

Em Sebastião Barros, vacinação desafia a matemática

Em Sebastião Barros, vacinação desafia a matemática

A pacata e quente Sebastião Barros, na qual logo cedo é comum ver boa parte dos 3.500 moradores fazendo caminhadas na rua principal, a André Pereira Lobato, ou na praça da igreja, no centro lidera o ranking dos números exagerados, mas está longe de ser exceção no estado. Dos 224 municípios do Piauí, 210 (93,7%) têm mais de 100% de imunizações (duas doses) em ao menos uma faixa etária.

Alvorada do Gurgueia teria vacinado 175,41% dos habitantes de 80 anos ou mais. Olho D´Água do Piauí, 168,42% entre 70 e 74, e 148,78% de 60 a 64 anos.

Quem explica?

Em nota, o governo do Piauí diz que o Datasus deve se basear em dados defasados, de 11 anos atrás, e não considera ainda o fluxo migratório dos vacinados em busca de locais que já estejam imunizando sua faixa etária.

“Com a pandemia e o consequente desemprego, muitos piauienses que há décadas moravam fora retornaram à sua cidade natal. Nossos municípios estão fazendo um trabalho quase que de formiguinha, buscando não deixar ninguém para trás, tanto que somos um dos únicos dois estados do Brasil com melhor cobertura de segunda doses na população idosa.”

O Ministério da Saúde afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que os dados do DataSus já levam em conta a atualização da estimativa populacional do IBGE, divulgada no fim do mês passado.

O IBGE esclarece ao R7, entretanto, que a estimativa de agosto alterou o total da população dos municípios, porém não fez a atualização por faixas etárias, que só ocorre com o censo. E daí vem toda a distorção (veja a explicação do IBGE no fim do texto).

Em resumo, o problema todo se dá porque o governo federal adiou a realização do censo em 2020 por causa da pandemia. Neste ano, sem verbas, cancelou novamente a realização da pesquisa.

Tem muito mais gente

O secretário municipal de Alvorada do Gurgueia, Edílson da Silva Santos, diz que o município vacinou toda a população mais velha. “A população aqui é pequena, foi feita uma força-tarefa e conseguimos que todos com mais de 80 tomassem as duas doses.”

Ele diz não entender como, segundo os dados oficiais, tanta gente a mais aparece imunizada na cidade. “A gente não quis fazer aqui a estratégia de vacinar morador de outras regiões, o que é comum em alguns locais”, acrescenta. “Gente de fora, se teve, foi no máximo cinco em Alvorada”, arrisca.

A Prefeitura de Capitão Gervásio, com 144% de cobertura aos mais de 80, 130,66% entre 75 e 79 e 124,61% de 70 a 74, aponta que o IBGE diz que a população local é de 4.114 pessoas, mas a Secretaria de Saúde local tem cadastrados 4.161 habitantes.

A secretária de Saúde de Olho D´Água do Piauí, Antônia Nascimento, garante que a população local ultrapassa os números que estão indicados pelo IBGE na estimativa. “O último censo realizado foi em 2010. Desde então temos atualizações apenas, porém nenhuma in loco”, lamenta.

De acordo com a última estimativa do IBGE, a população de Olho D’Água do Piauí caiu de 2.626 pessoas, segundo o censo de 2010, para 2.477. “Não faz sentido. Aumentou o número de moradores, tem muito mais gente”, diz a secretária. “Trabalhamos hoje em nossas políticas de saúde com a informação de mais de 3 mil habitantes.”

Ela descarta que doses tenham sido oferecidas a moradores de outras regiões ou qualquer erro no registro das vacinas.

Pessoas jogam fora o cartão de vacinação

Sobre o registro das imunizações, o especialista em tecnologia Robson Clay é uma autoridade. Ele tem uma empresa que presta assessoria técnica e ajuda a cadastrar as doses aplicadas contra a Covid em oito municípios piauienses: Avelino lopes, Corrente, Cristalândia, Curimatá, Julio Borges, Parnaguá, Riacho Frio e Sebastião Barros – todos com faixas acima de 100%.

“Não acredito em erro de registro, mas tem sim muita instabilidade no sistema do Ministério da Saúde”, observa.

“Tem gente que vai receber a vacina e aparece no sistema que esse sujeito já tomou, às vezes até em outro estado. Eu, nessas horas, oriento minha equipe a dar um tempinho, peço para esperarem uns dias para tentar cadastrar de novo. E sempre dá certo.”

Robson Clay acredita que algumas pessoas podem ter sido cadastradas em Sebastião Barros, mas moram na verdade em Cristalândia, cidade vizinha.

Além das instabiidades e dificuldades de registro, outro problema que ele diz ser comum começa com um hábito ruim da população, que perde ou joga fora o cartão de vacinação da primeira dose. “E quando chegam para a segunda não sabem data, marca do imunizante, nada. O pior é que muitas vezes falta o registro também nos postos de saúde e todo mundo fica sem saber o que fazer.”

O empresário da área de tecnologia aposta que a população da região aumentou desde o último censo. “Muita gente se mudou desde 2010 por causa da instalação dos parques solares [para a produção de energia], tem morador novo que o IBGE não percebeu, eu acho. Pode ser uma explicação.”

O que diz o IBGE

O IBGE enviou nota para explicar que “a única pesquisa do instituto que gera dados da população por faixas de idades nos municípios é o censo”.

“As estimativas populacionais, divulgadas anualmente, informam somente o total da população das cidades, não gerando recortes por faixas de idade.”

O órgão esclarece ainda que a quantidade de moradores das cidades é estimada “por método matemático que se baseia na população estadual projetada e na tendência de crescimento dos municípios, captadas nos dois últimos censos demográficos, de 2000 e 2010, e ajustadas.”

“As estimativas municipais também incorporam alterações de limites territoriais que tenham ocorrido entre os municípios após 2010”, finaliza o IBGE.

E por que o R7 chegou ao Piauí?

A reportagem foi ao DataSus para conferir estado por estado quais estavam mais próximos de atingir 100% de cobertura vacinal completa.

Inicialmente, antes de o IBGE divulgar a estimativa de agosto, notou que seis entes federativos superavam em algumas faixas etárias (normalmente no público com mais de 80) o percentual de 100%: Piauí, Paraíba, Distrito Federal, Roraima, Rondônia e Paraná.

O R7 buscou então os dados dos municípios desses seis estados, notando que no Piauí estavam as maiores discrepâncias. Daí em diante foram checados os 224 municípios piauienses.

Quando o IBGE divulgou a estimativa, no fim de agosto, os estados e o DF reduziram seus percentuais por faixa etária, ficando todos abaixo de 100%, mas a pauta se manteve porque a redução não ocorreu nos municípios, pela razão que o IBGE justificou acima: neles, não foi feita a atualização por idade.

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