Repórter do New York Post se demite por matéria falsa sobre Kamala Harris

Ela acusa os editores de a terem forçado a escrever a matéria e diz que não teve força para derrubá-la

Depois de ter sido desmascarado pelo The Washington Post a respeito de uma matéria falsa publicada sobre a vice-presidente Kamala Harris na última sexta-feira (23/4), o New York Post sofreu outro duro golpe ontem (27/4). A repórter Laura Italiano, que assinou a matéria, anunciou sua demissão, dizendo que foi forçada a escrevê-la e que não teve força suficiente para evitar que fosse publicada.

O jornal segue o modelo dos tabloides sensacionalistas e sempre apoiou Donald Trump abertamente. A história tomou conta das redes sociais, com críticas a Italiano por ter participado da farsa.

A matéria falsa

A matéria em questão afirmava que crianças migrantes estavam recebendo cópias de um livro de autoria da vice-presidente Kamala Harris como parte de um “kit de boas-vindas”.

O artigo, que foi publicado também online, trazia o título de primeira página “Kam On In” na edição impressa. Baseado numa imagem da agência de notícias Reuters que mostrava o livro infantil “Superheroes Are Everywhere” de autoria de Harris sobre um berço em um abrigo para migrantes, a matéria do tabloide de Nova York sugeria que a obra da vice-presidente estaria sendo distribuída em massa para crianças ilegais trazidas aos Estados Unidos.

Fake news na mídia não terminaram com saída de Trump

A história desencadeou um ciclo de desinformação de vários dias entre os líderes republicanos e nas mídias sociais de seus seguidores. Entre os boatos que repercutiram, foi sugerido que Harris estaria usando os fundos do contribuinte para lucrar com a situação na fronteira sul do país.

A notícia também repercutiu na grande mídia. O fato voltou a preocupar aqueles que achavam que a era das fake news na mídia norte-americana iria refluir com a saída de Trump da Casa Branca.

O Huffpost menciona que um repórter da Fox News chegou a questionar a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, sobre o livro na primeira coletiva de imprensa depois da publicação da matéria. E contabilizou que a Fox veiculou na TV sua própria versão do artigo no fim de semana, além de ter mencionado a história em pelo menos cinco programas diferentes de rádio.

O desmentido

O Washington Post desmascarou as alegações nesta terça-feira (27/4), demonstrando que o artigo estava inteiramente baseado na imagem captada num abrigo em Long Beach, na Califórnia, de um único exemplar do livro infantil de Harris publicado em 2019.

Na realidade, os exemplares do livro de Harris foram algumas das doações recebidas por uma campanha de arrecadação de itens para crianças em toda a cidade, disse um porta-voz do abrigo ao The Washington Post.

A reação do New York Post

Depois de desmascarado pelo The Washington Post, o New York Post retirou momentaneamente sua matéria do ar. Em seguida, a republicou corrigida, acompanhada de uma nota do editor:

 “A versão original deste artigo dizia que crianças migrantes estavam recebendo o livro de Harris em um kit de boas-vindas, mas foi atualizada para observar que apenas uma cópia conhecida do livro foi dada a uma criança. ”

A reação da repórter autora da matéria

A repórter Laura Italiano, autora da matéria, se demitiu no mesmo dia que a história foi desmascarada.

Num tuíte à noite, ela disse que havia apresentado sua demissão aos seus editores no New York Post. Segundo o The Washington Post, ela trabalhava desde a década de 90 no tabloide.

Num segundo tuíte publicado dezessete minutos depois, ela confirma que a história era falsa, mas que tinha recebido a ordem de escrevê-la e que esse foi o motivo de ter rompido com o jornal:

“A matéria de Kamala Harris – uma história falsa que recebi a ordem de escrever e que não tive força suficiente para derrubar – foi meu ponto de ruptura”.

Mas nas redes as opiniões ficaram divididas, com muitos recriminando a jornalista por ter participado. E por só ter se demitido depois que o caso se tornou público.

Não é a primeira polêmica enfrentada pelo tablóide, que em 2020 chegou a ser bloqueado pelo Twitter por ter publicado uma matéria com informações extraídas de um antigo computador do filho de Joe Biden que havia sido deixado no conserto. O jornal faz parte do império de mídia do magnata Rupert Murdoch, o grupo News Corp.

Resumo da história

Num tuíte publicado no final do dia, o Washington Post assim resumiu o caso:

“Uma matéria do New York Post sobre Kamala Harris desencadeou uma indignação conservadora. Quase toda a matéria estava errada. Agora a repórter pediu demissão.”

Fonte:

Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Co-Fundadora e Editora do MediaTalks byJ&Cia. Jornalista radicada em Londres, graduou-se em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense e iniciou a carreira no jornal O Globo. Em 1988 fundou com Aldo De Luca a Publicom, que se tornou uma das mais premiadas empresas de comunicação no Brasil e foi adquirida em 2016 pela WeberShandwick (IPG Group). Do Reino Unido passou a colaborar com veículos brasileiros (Canal MyNews e Jornalistas&Cia / Portal do Jornalistas, onde assina uma coluna semanal sobre tendências em comunicação). É membro da FPA London (Foreign Press Association).
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