Kevin Costner: louco ou gênio? (Rodrigo Salem)

Foto: Reprodução Desafiador do Desconhecido

Hollywood adora histórias de superação.

Mas quem cobre Hollywood adora histórias de destruição.

Não existe nada mais suculento para os abutres quando nomes estabelecidos ousam gastar do próprio dinheiro para filmar algum longa guardado no baú há anos e anos.

Não importa se você é Francis Ford Coppola, que hipotecou parte da sua vinícola de maior prestígio (a qual não ostenta seu nome) para filmar “Megalopolis”.

Muito menos se você é Kevin Costner, que vendeu uma das suas mansões para investir US$ 38 milhões do próprio bolso para criar “Horizon: An American Saga”, que, além do título patriota, é um faroeste à moda antiga.

Receita do desastre.

A não ser que o público conservador norte-americano enxergasse o longa como mais um panfleto do “velho e bom modo de vida simples que não temos mais”.

Não seria maluquice pensar nisso, já que Costner acabou de sair de “Yellowstone”, uma das séries de maior audiência da década exatamente por apostar neste estilo.

Em média, a quinta temporada de “Yellowstone” atraiu mais de 11 milhões de espectadores por episódio. Rendeu mais dois derivados de sucesso (“1883” e “1923”) e tem mais dois no forno, passados em 1944 e 2024.

Não é insanidade afirmar que Costner viu no sucesso do seu faroeste televisivo a oportunidade de resgatar o projeto dos seus sonhos desde 1988 -tanto que seu filho foi batizado com o nome do personagem principal.

Ao mesmo tempo, o astro que ganhou o Oscar de 1991 de Melhor Filme e Direção por “Dança com Lobos” subestimou a importância de Taylor Sheridan, criador, roteirista e showrunner do universo “Yellowstone”.

Erro que é fatal para “Horizon: An American Saga”.

Concebido para ser um épico de faroeste em quatro partes sobre a colonização do oeste, o primeiro filme estreou neste fim de semana nos EUA em mais de três mil salas, porém rendeu apenas US$ 11 milhões -sua média é menor até que a do longa-sensação indiano “Kalki 2898 AD”.

Se “Yellowstone” trazia 11 milhões de espectadores, “Horizon” só trouxe um milhão.

Números nada animadores para o segundo capítulo, com data marcada já para 16 de agosto. E mensageiro de incertezas para os dois restantes, já que o terceiro já teve algumas sequências rodadas, mas Costner estava batendo nas portas dos executivos em Cannes, maio passado.

O ator não se deixa abalar com as perspectivas. Aposta no mercado de VoD, o que não deixa de ser uma boa âncora para um produto neste estilo. Sabe que o orçamento de US$ 100 milhões (divididos em dois filmes, o que torna o projeto mais viável) pode ser readquirido ao longo do tempo. Acima de tudo, fez o longa original que sonhava em fazer. Bacana.

Isso, infelizmente, não significa que seja bom.

“Horizon – Part 1” tem a ambição de contar a história de várias famílias que formarão a fundação de Horizon, um povoado que, no futuro, se tornará uma grande cidade norte-americana.

A história é contada sob vários pontos de vista, muitos deles jogados sem nenhuma explicação ou preparação emocional. É preciso comprar a intenção de que um dia aquilo poderá fazer sentido, mas que não será nas próximas três horas de filme -talvez nunca seja.

Aparentemente, estamos no período da Guerra da Secessão, mas longe das batalhas entre norte e sul. A ação aqui se desenrola no Wyoming e no território Apache, englobando o que hoje corresponderia a boa parte dos estados do Novo México, Arizona e Oklahoma.

É ali que os colonos querem plantar suas novas raízes. Os nativos não concordam. Massacram os invasores, mas duas mulheres (Sienna Miller e Georgia MacPhail), brancas e loiras, mãe e filha, escapam do horror. Costner, um sujeito inteligente e consciente, parece ter colocado isso de lado numa sequência bem filmada, mas narrativamente ultrapassada de índio vs. homem branco. Pode ser que faça mais sentido com o segundo filme. Agora, deixa um gosto estranho.

O massacre leva à outra subtrama de vingança a qualquer custo que dá um tom menos tradicional ao faroeste, mostrando o dia a dia de uma tribo. Ainda assim, os indígenas parecem mais patos de alvo em quermesses que pessoas reais.

A terceira subtrama se concentra numa caravana liderada por Luke Wilson, que precisa cuidar não apenas da presença dos nativos violentos -sendo justo, já um pequeno diálogo sobre diferenças entre tribos-, mas também dos seus “passageiros”, como um casal de almofadinhas (Ella Hunt e Tom Payne) achando tudo novo e empolgante. É a mais promissora.

A quarta narrativa vai para o Wyoming, onde Kevin Costner aparece depois de uma hora de filme como o justo Hayes Ellison, homem durão que trabalha com cavalos. Ele termina envolvido com uma prostituta (Abbey Lee), que, por sua vez, fica com a posse de um bebê depois da morte da mãe (Jena Malone), que, por sua vez, é alvo da busca de dois irmãos brutos (Jamie Campbell Bower e Jon Beavers), que, por sua vez, levarão Ellison para Horizon (ou não).

Se você achou isso quase incompreensível, fica ainda mais difícil no filme. “Horizon – Parte 1” tem potencial para ser um longa decente com uma boa edição. Desta forma, parece um piloto mal estruturado de série de TV. O que é inexplicável, já que seu montador, Miklos Wright, já trabalhou outras vezes com Costner e está acostumado com o ritmo de séries de televisão.

“Horizon” tem três horas e mesmo assim há sequências inteiras nas quais caímos de paraquedas. A mais chocante é a em que Sienna Miller e sua filha precisam se despedir do regimento da cavalaria comandado por Sam Worthington. A menina tem um ataque de choro, os soldados se emocionam, mas nunca vemos como essa relação foi construída. Impossível entender porque estão todos abalados.

É quase amador.

O filme aposta (e com ótimos resultados) em paisagens lindíssimas e no seu elenco experiente. Justo, é o mínimo que um faroeste assim precisa entregar.

Em outros momentos, mostra uma iluminação errada e jogos de câmera tremidos que não passam a sensação de algo profissional.

É uma montanha-russa na qual o ponto alto é a imersão naquele mundo selvagem e seus bons atores. O ponto mais baixo é a mão pesada de Costner nos momentos mais ternos, que fazem “Maria do Bairro” parecer “Succession”.

Apesar de tudo isso, não achei “Horizon – Parte 1” intragável. Fiquei entretido por boa parte das suas três horas em pleno sábado de sol fora do cinema. Mas é um produto caótico que termina de forma abrupta. Ao contrário de outros longas em vários capítulos, a obra de Costner não funciona isoladamente. Não há arcos fechados, explicações, recompensas ou resoluções. Pior: você nem entende que o filme terminou quando entra o trailer com cenas do próximo capítulo.

Com uma boa montagem, poderia facilmente virar uma minissérie da Paramount+.

Desta maneira, “Horizon – Parte 1” é uma bagunça de luxo.

O segundo capítulo vai ter trabalho.


Gostou do que leu, apesar do filme não ser o que você esperava (ou não)?

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