A chaga de Marinho

Por Minervino Wanderley

O sucesso e o fracasso andam de mãos dadas. Assim, como se namorados fossem, tamanha é a proximidade. Não são raras as histórias que ouvimos sobre pessoas que conheceram a glória e foram merecedores de respeito, muitas vezes pelo mundo inteiro, e que depois, num átimo, desaparecem. Ninguém fala nelas, ninguém sabe onde andam, sequer sabem se ainda estão vivas, tamanho é o desinteresse.

Com Marinho Chagas ocorreu esse fenômeno. Surgiu do nada e se transformou no melhor lateral esquerdo da Copa do Mundo de 1974. Foi endeusado pelos homens, adorado e desejado pelas mulheres. Sua fama corria o mundo e a mídia internacional não lhe poupava elogios. Digo isso com certeza porque minha mãe, Martha Salem, era professora de alemão e Jair Paiva, então o “padrinho” de Marinho, levava revistas alemãs para que ela traduzisse as matérias sobre o “Diabo Louro” – como na Alemanha era conhecido. Isso tudo porque após uma negociação com o clube alemão Shalke 04, e o fato virou notícia principal nos jornais e revistas germânicas especializadas em esporte.

Marinho encantou o Brasil e foi cidadão do mundo. Jogou no Riachuelo e ABC, no RN; Náutico, em PE, Botafogo e Fluminense, no RJ e São Paulo, em SP. Foi para os Estados Unidos, ganhou dinheiro e lá sentiu a sensação de ser rico e poderoso. Mas Marinho era simples e não tinha a exata ideia do que agora representava para o esporte. Continuou jogando seu futebol e esbanjando o dinheiro que ganhava. Não se preocupou em fazer investimentos ou um pé de meia, essas coisas que qualquer pessoa sensata faz.

Parecia que, para ele, além da fama, também havia adquirido o poder da imortalidade. Imune às mazelas da vida. Infelizmente, veio a conhecer e conviver com isso quando parou de jogar. Sem dinheiro, andava à cata de amigos – que julgava ter muitos -. Marinho enganou-se. Tinha muito poucos e esses fizeram de tudo para que ele ocupasse o lugar de destaque que, com inteira justiça, fazia jus. Lamentavelmente, determinadas companhias que ele encontrou na sua triste e dura caminhada, não queriam o mesmo. Para eles, era bem melhor passar os dias tomando cerveja, uma cachacinha, etc., etc., etc.

Para piorar sua situação, Marinho escolheu um “amigo” traiçoeiro que lhe acompanhava em todas as horas. Frágil, entregou-se de corpo e alma a essa “amizade”. Pobre Marinho. Ele tinha optado por seu pior inimigo, pois proporcionava um fugaz prazer e só serviu para deixar nosso ídolo mais perto do buraco que, sem saber, tinha começado a cavar. Esse “amigo”, que é facilmente encontrado em qualquer birosca é conhecido por muitos nomes: branquinha, água que passarinho não bebe, caninha, etc. Seu nome mesmo era Álcool. E Marinho abusou de fazer uso dele.

Várias internações, visitas nobres, como Platini, Beckenbauer, entre outros, aqui bateram aqui para prestar solidariedade ao antigo e querido companheiro dos gramados. Tudo em vão. Nada fez com que ele criasse forças e driblasse esse inimigo. Foi inapelavelmente batido pelo álcool. Perambulou até sua saída derradeira dos campos da vida. O mundo do esporte perdeu um gênio. Os pais perderam um filho. Os verdadeiros amigos ainda choram de saudade. O RN perdeu seu maior nome do meio esportivo. Nós, que gostamos de futebol, ficamos órfãos.

Tem nada não, Marinho. Lá em cima você deve ter encontrado amigos de verdade e a bola deve estar rolando outra vez. Para a alegria de Garrincha, Heleno de Freitas, craques de bola que eram como você fora de campo. Tudo sob o olhar complacente Dele, que era, sem dúvidas, seu fã.

 

Obs.: publicado no Natalpress.com em 03/09/2015

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Comentários (4)

  • José Guedes da Fonseca Filho Responder

    Um belo texto, Minervino. Faltou dizer que Marinho também jogou no America de Natal, sendo a sua última agremiação. Parabéns!

    8 de junho de 2020 at 23:41
  • Cosme Responder

    Da imortal do futebol para a imortalidade da crônica. Parabéns Minerva por descrever tão bem a trabalhar história de um ídolo indomável dentro e fora das quatro linhas.

    7 de junho de 2020 at 14:22
  • Wilson Cardoso Responder

    Belo artigo, Minervino. Particularmente em 2014, já escolhido como embaixador da Copa em Natal, conversamos bastante e dei varias caronas a ele, jantamos com Milton Neves e fizemos homenagens no ABC.
    Quando faleceu, os familiares queriam o velório no Frasqueirão, que já estava cedido como COT (Centro Oficial de Treinamento) mas o comitê da FIFA disse não. Fiz uma confusão dos infernos e no final,, com uma bela missa no módulo I, nos despedimos do Diabo Louro. Anos mais tarde, no portão A, inauguramos a estátua de Marinho, réplica da que foi destruída na Arena das Dunas.

    4 de junho de 2020 at 19:27
  • carlos alberto cunha Responder

    Belo texto. O autor relatou com precisão, em pouco espaço, o que foi a vida desse fabuloso jogador. Para os amantes do esporte, deixou um imenso vazio e a pergunta: por que terminou a vida dessa maneira? Ele não saberia esclarecer. Se perguntado, talvez respondesse como o personagem Chicó, do Alto da Compadecida: “Não sei, só sei que foi assim”.

    4 de junho de 2020 at 18:22

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