Cinema: ‘O Grande Herói’ – Crítica de Newton Ramalho

Código de honra

A Segunda Guerra Mundial serviu de inspiração para mais de quinhentos filmes, sempre com os americanos ocupando o papel de heróis. Outras guerras, contudo, não tiveram os mesmos efeitos, talvez por ser a atuação americana não tão correta. “O Grande Herói” (“Lone Survivor”, EUA, 2013), é um dos raros filmes sobre o Afeganistão baseado em um acontecimento real.

É possível que muitos espectadores entrem e saiam deste filme sem ter uma ideia formada do que é a recente guerra do Afeganistão – uma entre muitas que este sofrido país tem sido vítima através dos séculos.

Situado no centro da Ásia, e caminho obrigatório para as antigas caravanas desde tempos imemoriais, o Afeganistão ocupa uma posição geográfica estratégica entre o oriente Médio e Ásia – e, por isso mesmo, é alvo dos grandes impérios desde sempre.

No início dos anos 80, enquanto os Estados Unidos digladiavam-se com o Irã, o Afeganistão foi ocupado pela extinta União Soviética. Entre as forças que lutaram contra os soviéticos, um dos grupos, formado em sua maioria por estudantes, os Talibãs, foi organizado, financiado e armado pela CIA, agência de espionagem americana.

Com a retirada dos invasores, os Talibãs tomaram o poder em 1996, implantando uma república islamita extremamente conservadora, mergulhando o país em um estado repressor, voltando-se contra o Ocidente. Um dos seus líderes era Osama Bin Laden, que organizou o ataque de 11 de Setembro em Nova York e Washington. Após o ataque, americanos e ingleses invadiram o Afeganistão, tirando os Talibãs do poder.

Desde essa época, os Talibãs continuaram atuando até hoje, e junto com fatores como a corrupção e a produção e tráfico de ópio, tornaram o país um dos lugares mais perigosos do mundo. Recentemente, com a desastrada retirada dos Estados Unidos, o grupo voltou a dominar o país, com sua radical e violenta interpretação do islamismo.

É neste ambiente, em 2005, que se passam os eventos mostrados no filme. Marcus Luttrel (Mark Wahlberg) é soldado da Marinha americana, do grupo de elite SEAL, incorporado às tropas que lutavam no Afeganistão.

Ele e mais três companheiros recebem a missão de penetrar no território inimigo para localizar e identificar Ahmad Shah, um dos homens de confiança de Bin Laden. Os quatro tem que se locomover em uma região montanhosa e de difícil acesso e comunicação, até chegar próximo à base dos Talibãs.

Mas, o grupo esbarra em alguns pastores de cabras afegãos, e são obrigados a decidir o que fazer com eles. A hipótese de executá-los foi levantada, mas o comandante da missão decidiu libertá-los e abortar a missão.

Esta decisão desencadeou em um ataque fulminante desfechado pelo grupo Talibã, com um grande número de combatentes muito bem adaptados à região. Um a um eles são presos ou mortos, e apenas Marcus consegue fugir montanha abaixo, sofrendo inúmeros ferimentos, seja pela queda ou pelas armas dos inimigos. Mesmo um helicóptero enviado para resgatá-los é derrubado, causando a morte de inúmeros soldados.

Ele é encontrado por um grupo de aldeões, que o conduzem à sua aldeia e cuidam dos seus ferimentos. Quando uma patrulha de Talibãs chega, os aldeões, liderados por Mouhamad Gulab (Ali Suliman), corajosamente intervém e impedem que Marcus seja executado, mesmo arriscando suas vidas.

Jurando vingança, os Talibãs se retiram e Marcus pede a um velho aldeão que vá buscar ajuda dos americanos. Como haviam prometido, os guerrilheiros retornam no dia seguinte, e uma batalha de vida ou morte acontece na aldeia, sem esperança de piedade para ninguém.

 Como costumeiramente acontece, os títulos nacionais pecam muito, principalmente quando são apelativos como este aqui. O título original, “Lone Survivor”, ou único sobrevivente, traduz bem o acontecido, enquanto que o nacional, “O Grande Herói”, não tem nada a ver com a história.

O fato de Marcus Lettrel ter sobrevivido deve-se mais ao intenso treinamento como SEAL. O início do filme traz imagens verídicas do treinamento deste grupo, que faz “Tropa de Elite” parecer um passeio no parque. Marcus era um soldado profissional, profissão para a qual se preparara desde a adolescência. Tentar sobreviver a um grupo de inimigos fazia parte de sua profissão, não havia nada de heroísmo nisso.

Se existe um herói na história, ou vários heróis, foram os aldeões liderados por Gulab, que ousaram enfrentar os Talibãs para proteger o americano. E eles fizeram isso não por interesse, mas por um código de honra e filosofia de vida secular, chamado pashtumwali, profundamente enraizado na personalidade da etnia pachtun.

Para ter uma ideia da coragem destes homens, basta lembrar que eles é que vivem diuturnamente em confronto com os Talibãs, enquanto os americanos já sairm atabalhoadamente em 2021, depois de mais de duas décadas de intromissão inútil.

O filme é muito bem feito tecnicamente, tem a honestidade de não endeusar os americanos, além de nos dar outra visão deste povo tão sofrido, e costumeiramente classificado como sinônimo de terrorista. Assistam e tirem suas próprias conclusões.

“O Grande Herói” pode ser assistido nos serviços de streaming Amazon Prime Video e HBO MAX.

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Newton Ramalho – colunaclaquete@gmail.com

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