O dia que um americano tentou se apossar de uma isolada ilha brasileira

O arquipélago de Trindade e Marim Vaz Imagem: Global_Pics/Getty Images/iStockphoto

Que a costa brasileira foi alvo constante de empreendimentos colonialistas nos últimos quinhentos e tantos anos, zero novidade.

Foram aventuras irrisórias, como a invasão de Santos pelo corsário inglês Thomas Cavendish, em 1591, ou projetos duradouros e relevantes, tipo o Nordeste holandês do século 17. Isso sem contar a mais bem-sucedida de todas, a colonização portuguesa, que, bem, criou o país que somos hoje.

Talvez a tentativa mais bizarra e pouco conhecida tenha sido a criação de um micropaís por um gringo em pleno Brasil República. O nome do figura era James Harden-Hickey, autoproclamado príncipe James 1º, soberano do principado de Trinidad, que vem a ser a ilha da Trindade, a 1.167 km a leste do Espírito Santo.

Sabe aquele papo de que a Ponta do Seixas, na Paraíba, é o lugar mais ao leste do Brasil? Tem asterisco aí. Ela é o ponto mais oriental do Brasil continental, porque esse título pertence ao arquipélago Trindade e Martim Vaz, composto por Trindade e pela minúscula Martim Vaz, a 1.200 km da costa. É, nem sempre a gente se lembra, mas o Brasil tem algumas outras ilhas oceânicas além de Fernando de Noronha.

Nos anos 1890, pouca gente lembrava dessas ilhas também. Eis que entra em cena o misterioso Harden-Hickey. Nascido nos Estados Unidos, criado na Europa, ele foi um escritor e editor de jornal que circulou nas rodas privilegiadas parisienses até sumir do nada em 1888.

O “barão”, como era chamado, ressurgiu em 1894, triunfal. Havia se casado com a filha de um milionário americano e, em uma viagem de navio para o Tibete, vislumbrou uma ilha desabitada no Atlântico Sul que, segundo ele, não fora declarada posse de nenhum país.

Harden-Hickey decidiu tomar posse de Trindade e criar seu próprio país. Trinidad, como ele preferiu chamar, talvez na típica confusão entre espanhol e português, ganhou bandeira, brasão de armas, selo postal e até ordem de cavalaria. Segundo o “New York Times”, “diversas repúblicas da América Central o reconheceram como monarca da ilha”.

O assunto não passou batido na imprensa brasileira. Naquele mesmo ano, o “Jornal do Commercio” publicou um texto espinafrando o autoproclamado príncipe, ou a “pilheria de uns geographos gaiatos” (mantive a grafia original).

A riqueza não lhe basta, quer ter coroa de soberano, e para isso tem a pretenção de tomar posse da nossa Ilha da Trindade, onde estabelecerá um Principado cujas armas já mandou desenhar: um triangulo de ouro em campo de goles, com o escudo coroado por coroa ducal.”

O alarde de Harden-Hickey acabou chamando atenção internacional. No ano seguinte, 1895, os ingleses tomaram posse da ilha, especialistas que são no assunto. Alegaram uma visita a Trindade feita pelo astrônomo britânico Edmund Halley (sim, o do cometa) em 1700 para dar um verniz de legitimidade à invasão. O Brasil reagiu, dizendo que navegadores portugueses registraram a descoberta em 1502.

Ridicularizado, Harden-Hickey caiu em depressão. Matou-se em um hotel no Texas, em 1898, levando a cabo a defesa que ele fazia do suicídio: chegou a escrever um monólogo intitulado “Eutanásia”, em que pregava a “beleza artística” do ato.

Trindade hoje

Em 2018, Trindade e Martim Vaz virou uma unidade de conservação oceânica. O arquipélago é, oficialmente, um monumento natural. Harden-Hickey bem que tentou, mas Trindade é brasileira. Inclusive, pertence ao município de Vitória. O principado é capixaba, veja só.

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