O que dizia a carta assinada por Einstein que motivou a criação da bomba atômica

Enviada ao presidente Franklin Roosevelt, carta Einstein-Szilárd foi responsável pela criação do Projeto Manhattan, liderado por Robert Oppenheimer

Montagem com Einstein, carta Einstein-Szilárd e bomba da Operação Trinity – Getty Images e Domínio Público

Oppenheimer, filme sobre o pai da bomba atômica dirigido por Christopher Nolan, narra a trajetória de Julius Robert Oppenheimer, responsável por dirigir o Projeto Manhattan durante a Segunda Guerra.

A produção conta com um elenco de peso, mas um deles se destaca: Tom Conti, responsável por interpretar o físico Albert Einstein. Embora tenha poucas cenas durante o longa, as interações entre Oppenheimer e Einstein sempre são profundas e extremamente importantes para o enredo.

A produção da bomba nuclear, aliás, só foi fomentada graças ao parecer do físico alemão — no entanto, é importante ressaltar que Albert não participou do Projeto Manhattan. Entenda!

A importância de um gênio

Em 1905, o físico teórico alemão Albert Einstein desenvolveu sua equação mais famosa de todos os tempos: a Teoria da Relatividade Restrita (E = mc²), que diz que a energia é igual à massa vezes a velocidade da luz (ao quadrado). A fórmula ajuda a entender a energia liberada por uma bomba atômica.

Anos mais tarde, em 1939, Otto Hahn e Fritz Strassmann relataram a descoberta da fissão nuclear no urânio — processo onde o núcleo de um átomo se divide em dois ou mais núcleos, liberando uma quantidade incrível e explosiva de energia — na edição de 6 de janeiro da Revista Die Naturwissenschaften.

A publicação gerou um enorme interesse dentro da comunidade científica, como mostrado pelo físico dinamarquês Niels Bohr, que trouxe a notícia para os Estados Unidos. O assunto ainda foi debatido por Enrico Fermi em 26 de janeiro de 1939, na abertura Quinta Conferência de Washington sobre Física Teórica.

Apesar da ’empolgação’, o físico húngaro Leo Szilárd percebeu que a fissão de átomos pesados ​​impulsionada por nêutrons poderia ser utilizada para a criação de uma reação em cadeia, que por sua vez produziria grande quantidade de energia, que poderiam ser usadas para a geração de energia elétrica — ou em bombas atômicas.

Leo Szilard e Albert Eisntein/ Crédito: Domínio Público

Em 12 de agosto de 1939, Szilárd e o físico húngaro Eugene Wingner se encontraram com Albert Einstein no vilarejo de Cutchogue, em Long Island, Nova York, onde o alemão estava hospedado, descrevem William Lanouette e Bela Silard em ‘Genius in the Shadows: A Biography of Leo Szilárd: The Man Behind The Bomb’.

Quando a dupla falou sobre a possibilidade da criação de uma bomba atômica, Einstein logo comentou: “Eu nem pensei nisso”. Szilárd então ditou uma carta, escrita por Wingner e assinada por Einstein, endereçada ao embaixador belga nos Estados Unidos — uma cópia também foi preparada para o Departamento de Estado norte-americano. Os físicos pediram o apoio do governo para pesquisa em urânio.

Aconselhado por um amigo, Szilárd também decidiu que seria uma boa ideia abordar o então presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt. A carta Einstein-Szilárd, como o documento passou a ser conhecido, foi escrita em 2 de agosto de 1939.

Conselho de Einstein

A missiva continha detalhes sobre o uso de urânio e um alerta que o desenvolvimento da tecnologia poderia estar sendo trabalhado pela Alemanha nazista. Importante ressaltar que a Segunda Guerra Mundial só começou de fato semanas depois, em 1º de setembro de 1939. Confira a carta na íntegra!

“Senhor:

Alguns trabalhos recentes de E. Fermi e L. Szilárd, que me foram comunicados em manuscrito, me levam a esperar que o elemento urânio possa ser transformado em uma nova e importante fonte de energia no futuro imediato. Certos aspectos da situação criada parecem exigir vigilância e, se necessário, uma ação rápida por parte da Administração. Acredito, portanto, que é meu dever chamar sua atenção para os seguintes fatos e recomendações:

No decorrer dos últimos quatro meses, tornou-se provável — através do trabalho de Joliot na França, bem como de Fermi e Szilárd na América — que pode ser possível estabelecer uma reação nuclear em cadeia em uma grande massa de urânio pela qual grandes quantidades de energia e grandes quantidades de novos elementos semelhantes ao rádio seriam gerados. Agora parece quase certo que isso poderia ser alcançado no futuro imediato.

Esse fenômeno também levaria à construção de bombas, e é concebível — embora muito menos certo — que bombas extremamente poderosas de um novo tipo possam ser construídas. Uma única bomba deste tipo, transportada por barco e explodida em um porto, poderia muito bem destruir todo o porto junto com parte do território circundante. No entanto, essas bombas podem muito bem ser pesadas demais para serem transportadas por via aérea.

Os Estados Unidos têm apenas minérios muito pobres de urânio em quantidades moderadas. Há algum minério bom no Canadá e na ex-Tchecoslováquia, enquanto a fonte mais importante de urânio é o Congo Belga.

Em vista dessa situação, você pode achar desejável manter algum contato permanente entre a Administração e o grupo de físicos que trabalham com reações em cadeia na América. Uma maneira possível de conseguir isso pode ser você confiar essa tarefa a uma pessoa de sua confiança e que talvez possa servir de forma não oficial. Sua tarefa pode incluir o seguinte:

a) abordar os Departamentos Governamentais, mantê-los informados sobre o desenvolvimento futuro e apresentar recomendações para ação do Governo, dando atenção especial ao problema de garantir o fornecimento de minério de urânio para os Estados Unidos.

b) acelerar o trabalho experimental, que atualmente está sendo realizado dentro dos limites dos orçamentos dos laboratórios da Universidade, fornecendo fundos, se tais recursos forem necessários, por meio de contatos com pessoas privadas que estejam dispostas a fazer contribuições para esta causa, e talvez também obtendo a cooperação de laboratórios industriais que possuam o equipamento necessário.

Eu sei que a Alemanha realmente parou a venda de urânio das minas da Checoslováquia que assumiu. O fato de ela ter tomado uma ação tão precoce talvez possa ser entendido com base no fato de que o filho do subsecretário de Estado alemão, von Weizsäcker, está vinculado ao Kaiser-Wilhelm-Institut em Berlim, onde alguns dos trabalhos americanos sobre urânio estão sendo repetidos.

Atenciosamente,

Albert Einstein”.

Fac-símile da carta de Einstein-Szilard/ Crédito: Franklin D. Roosevelt Presidential Library & Museum

O Projeto Manhattan

Os Estados Unidos, porém, só entraram de fato na Segunda Guerra após o ataque a base aérea de Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Já o Projeto Manhattan, que surgiu com o objetivo alertado por Einstein e Szilárd só começou a operar em 13 de agosto de 1942.

No dia 16 de julho de 1945, a operação ‘Trinity’, realizada no deserto do Novo México, obteve sucesso nos testes de explosão da primeira bomba atômica da história. Apesar do sucesso, J. Robert Oppenheimer demonstrou arrependimento:

Agora eu me tornei a Morte, o destruído de mundos”, declarou.

Teste nuclear em 31 de outubro de 1952, nos Estados Unidos, parte do Projeto Manhattan/ Crédito: Getty Images

Isso porque, apenas três semanas depois, os Estados Unidos atacaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, entre os dias 6 e 9 de agosto — o que resultou na morte de entre 150 mil e 250 mil pessoas.

Quase duas décadas depois, em 1964, um artigo publicado pelo The New York Times descreveu o documento de Einstein-Szilárd como “carta que deu início a tudo”. Mas Albert Einstein demonstrou arrependimento, segundo repercutido pela Time: “Se eu soubesse que os alemães não conseguiriam desenvolver uma bomba atômica, não teria feito nada.”

Fonte: Aventuras na História/UOL

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *