“O tamarindo de Augusto dos Anjos” (Thiago de Mello)

Augusto dos Anjos

(Paraíba, via Panair do Brasil)

– Estou chegando (no momento em que a lua, no crescente, começa a reinar nesta lua paraibana) do velho Engenho Pau D’Arco, hoje incorporado ao patrimônio da Usina Santa Helena, no município de Sapé: engenho onde nasceu e passou a maior parte de sua vida o poeta Augusto dos Anjos.

Conhecer este engenho era um dos principais objetivos desta minha viagem pelo Nordeste brasileiro: olhar o chão e o céu, sentir a beleza deste pedaço de mundo, que outrora serviu de morada ao grande poeta, um dos maiores que o Brasil já teve. Queria, particularmente, contemplar uma certa árvore, que, companheira de infância do poeta, foi-lhe também amiga na adolescência e confidente na madureza: um pé de tamarindo, à cuja sombra, generosa e macia, o moço Augusto dos Anjos entregou-se decerto a cismas e solilóquios, e escreveu vários de seus poemas – um dos quais, entre os mais belos de sua obra, dedicado ao próprio tamarindo.

Levava comigo, a caminho do velho engenho, varando os partidos de cana alteando para o céu os seus pendões dourados, um verso do poeta paraibano, lido já há muitos anos e sempre presente em minhas lembranças: “Este Engenho Pau D’Arco é muito triste!” Confesso que essa tristeza, não a compreendi alí, sobrepairando o chão que serviu de berço ao poeta. Muito tempo já se passou desde a sua morte, e ao longo dele a paisagem se transfigurou; o casario cresceu, onde era mata hoje é canavial, onde era ermo hoje é campo, e no descampado fronteiro à primitiva casa, hoje inexistente, ergue-se a usina, com as suas máquinas, as suas caldeiras, a sua altíssima chaminé e sobretudo com os seus ruídos, elementos de uma vida bem diferente daquela que se alastrava pelo velho Pau D’Arco ao tempo do menino e do homem Augusto dos Anjos – em cuja alma, mais do que no chão e nas coisas que o rodeavam, morava uma tristeza grande.

Mas com esta crônica apenas quero dar notícia do tamarindo, árvore assim histórica, que, graças a Deus e aos cuidados dos atuais proprietários do antigo engenho, os Ribeiro Coutinho, está airoso e belo como nos tempos de sua juventude. Apesar dos seus 150 anos, calculadamente, o tamarinhdo está, no dizer de João Gomes, capitão de campo, “que até parece velho querendo casar.” Já esteve bem ruim, há coisa de uns cinco anos. Na verdade, esteve moribundo. Mas, mercê dos remédios e carinhos, ele se reergueu e está rijo como nos seus melhores dias; do tronco respeitável e rijo despontam ramos novos, sua folhagem é exuberante e verde. E à sua sombra, farta e doce, relembramos, em voz alta, os estrofes finais do soneto (“Debaixo do Tamarindo”) em que o poeta conta dos bilhõe de vezes em que, alí, se aliviou da canceira de “inexorabilíssimos trabalhos”:

“Quando pararem todos os relógios de minha vida, e a voz das necrologias gritar nos noticiários que eu morri, voltando a pátria da homogeneidade, abraçado com a própria eternidade, a minha sombra de ficar aqui”.

E, na verdade, ficou.

*Contraponto (“O Globo”, 9/6/1955)

FONTE: NAVEGOS

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