Saudade de você, Bebete! (Minervino Wanderley)

Pois é, minha irmã. Há exatos 43 anos, numa tarde chuvosa de um domingo sem graça, chega-me a notícia de que você havia partido. Eu estava só, quando um amigo ligou. O som da velha campainha do telefone rasgou-me a alma. Já sabia do que se tratava. Fiquei revoltado, Bebete.

Tentei, num derradeiro alento, negociar com Deus. Ele me levaria e você continuaria sua brilhante trajetória por aqui. Ele não me deu atenção e a vida seguiu conforme Seu desejo. Sabe, ainda penso do mesmo jeito. Você, com sua coragem, inteligência e espírito de luta, poderia contribuir – bem mais do que eu – para tornar este mundo melhor. Mas, como gostava de dizer nossa mãe, “Neste mundo nada regula.” E é assim mesmo, Dona Martha, nada ocorre da forma que imaginamos e que julgamos ser o correto.

Muitos podem perguntar por que nunca me pronunciei sobre você. Outros podem até achar que eu deveria esperar para dizer alguma coisa quando se completassem determinados anos de sua ida. Ora, que besteira! Sentimentos não têm hora nem dia para serem externados.

Durante muito tempo lembrei de você todos os dias. Depois, num processo natural, as lembranças foram se tornando esparsas, mas dentro de mim você sempre esteve – e está – muito presente. Nem poderia ser diferente. Incapaz ver um espetáculo da natureza e você não vir ao meu pensamento. Impossível assistir a uma cena na qual a injustiça triunfe que não imaginá-la partindo em defesa dos injustiçados. Como ouvir uma bela música e não vê-la, sorridente e feliz, a cantar também?

Você me faz muita falta. Foi sempre aquela amiga de todas horas. Sempre que a procurei em momentos de angústias, encontrei em você seu sorriso, seu olhar terno e seu colo para que eu derramasse minhas lágrimas. Depois do desabafo conversávamos e eu saía com a alma mais tranquila. E você sempre dizia: “Neneco, você nunca estará sozinho.” Sabe, eu sempre tive a certeza de que você, Bebete, mesmo tão distante dos meus olhos, cumpre essa promessa. Sinto isso.

Na semana passada, depois de todo esse tempo, olhando uns álbuns de fotografias de mamãe que estão comigo, tomei coragem e vi “retratos” nos quais você aparece. Você Rejane, Velúzia, Ilzinha, Sônia Câmara, entre outras. A saudade, esse sentimento cruel, bateu-me à porta de imediato. Deixei que ela entrasse e chorei. Cedo ou tarde eu teria que fazer isso. A dor da imensa perda aos poucos vem se transformando em prazer e orgulho por sermos irmãos. As lembranças dos bons momentos se sobrepõem aos tristes e, se ainda choro, como agora, é porque o amor nunca acabou.

Espero que você esteja perto de papai, mamãe, Emilinho e Maninha, e que aí seja do jeito que desejo e creio. Tudo cercado de muita paz. Por aqui, vou levando a vida do jeito que Ele quer. O tempo tem me feito bem. Dizem até que tomei juízo! Você acredita?

Um beijo e até um dia.

Do seu irmão, Neneco.

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Comentários (3)

  • FREDERICO Responder

    tinha muita admiraçao por ela. Aquela alegria que parecia querer curtir uma vida curta que o destino lhe ofereceu. Comungo com voce os mesmos sentimentos.

    22 de janeiro de 2023 at 15:42
  • Flavio Alcides Responder

    Linda verdade Badé.
    Você, como sempre, surpreendendo a cada rasgo da caneta que escreve.
    Forte abraço e segure as lágrimas pois elas virão mais fortes, sempre proporcional ao tempo que as pessoas queridas nos deixaram.

    20 de janeiro de 2023 at 18:23
  • Anônimo Responder

    Que relato lindo!!!!. Só a fé nos diz pensar assim.

    20 de janeiro de 2023 at 16:04

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