Conheça o vinho mais caro do mundo (Rodrigo Salem)

Documentário acompanha a luta de um viticultor francês ameaçado de prisão, mas que produz vinhos de milhares de dólares.

Löic Pasquet/Reprodução

“Quanto você pagaria para ter um jantar com Napoleão?”

É com esse cenário hipotético que o produtor Löic Pasquet precifica seu vinho mais precioso.

Liber Pater não é feito nas colinas disputadas de Vosne-Romanée, na Borgonha.

Também não nasce no vale de Napa dominado pelas vinícolas com seus donos bilionários e o metro quadrado mais caro das áreas de produção de vinhos nos EUA.

Veja bem, o Liber Pater nem mesmo vem da sub-região mais prestigiada de Bordeaux, mas de Landiras, no Graves, com seus châteaus pouco charmosos e nenhum grand cru para chamar de seu.

O preço médio de uma garrafa de Vin de Bordeaux desta área gira em torno de 20 dólares.

O Liber Pater, que vem de uma vinícola de garagem com alguns poucos hectares de vinhedos, é vendido assim que fica disponível pela bagatela de 30 mil euros e ganhou a alcunha de vinho mais caro do mundo -garrafas de outras vinícolas podem custar centenas de milhares de dólares, porém de safras antigas.

E é com este título, “O Vinho Mais Caro do Mundo”, que o diretor holandês Klaas de Jong lança um documentário de 51 minutos para tentar entender como diabos uma garrafa de uma vinícola minúscula se tornou objeto de desejo de milionários e alvo de polêmicas na França.

A resposta passa por Löic Pasquet, que se recusa a ser chamado de viticultor, mas prefere o antigo termo francês vigneron.

Pasquet está causando em Bordeaux, uma região que anda sofrendo bastante por causa da mudança de gosto do mercado asiático e a disparidade de preço entre pequenos produtores locais e as grandes casas vinícolas, a maioria nas mãos de grupos bilionários.

Ele produz fora das regras estabelecidas pelo Institut national de l’origine et de la qualité (INAO), que determina o que o rótulo de um vinho na França pode ostentar. Ou seja, Pasquet pode fazer garrafas que custam milhares de euros, mas só carrega o status de “Vin de France”, uma classificação “menor”.

Tudo isso porque ele tenta reproduzir os métodos de plantio e fermentação anteriores a 1855, com vinhedos até quatro vezes mais densos que os permitidos em Bordeaux. [Explico: em tese, quanto mais vinhas num vinho, menos concentrado será o “suco” extraído das uvas, resultando em um vinho de menor qualidade.]

Não é apenas isso.

Pasquet, ao contrário de quase todos os produtores da região, não utiliza um método que usa a raiz de uma vinha norte-americana enxertada com a planta europeia. Isso normalmente acontece porque, em meados do século 19, a praga de um inseto microscópico chamado filoxera dizimou boa parte dos vinhedos em toda a Europa. O inseto ataca a raiz, mas as raízes de origem norte-americana são resistentes, apesar das suas uvas não serem boas para vinicultura.

O criador do Liber Pater é um purista. Termina soando até meio nacionalista no documentário, o que é um pouco assustador. Ele não faz o enxerto porque acredita que o sabor do suco extraído não é o mesmo feito em Bordeaux 150 anos atrás. Suas plantas, então, são suscetíveis à praga, mas o solo arenoso do seu vinhedo impede a propagação do filoxera, segundo o vigneron -mesmo assim, ele verifica pessoalmente a saúde das raízes o tempo todo.

Na verdade, Pasquet faz tudo na vinícola. Planta, cuida, extrai e fermenta o vinho. Tem só a ajuda de uma mula para os trabalhos mais pesados. Sozinho, separa as uvas dos cachos. E utiliza ânforas em vez de barris, como se faz na região -apesar do seu rótulo de 2015 ter passado por barris usados. Vinho de raiz, podem alegar.

Por fim, o produtor ainda procura “ressuscitar” uvas indígenas de Bordeaux, não apenas trabalhando com as costumeiras Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot que fizeram a fama da área.

Por causa do descumprimento das regras, ele foi condenado a uma multa de 600 mil euros e seis meses de prisão. O documentário falha em explicar a razão e não entrevista outros envolvidos além do seu protagonista. Mas com uma pesquisa extra, você entende que a acusação foi levantada porque o vinho de Pasquet carregava um selo de qualidade que não refletia seu conteúdo.

Ele apelou e conseguiu se safar. Mas seus vizinhos não gostam nem um pouco da sua arrogância e desprezo pelos vinhos produzidos hoje em dia -tanto que ele conta que tentaram envenenar sua água e revela que cortaram algumas das suas vinhas.

“O INAO tentou me destruir porque explico para clientes que eles [produtores de Bordeaux] estão fazendo uma sopa de uva, não vinho de alta qualidade”, dispara o francês sem pestanejar.

Liber Pater normalmente só rende cerca de 500 garrafas, o que torna o vinho ainda mais precioso. Somente restaurantes específicos de clubes privados de milionários carregam um de prontidão no menu, como o Annabel’s em Londres. Ou você pode tentar estas lojas que vendem uma garrafa do 2018 por valores entre 32 mil e 49 mil dólares.

O Globo de Ouro, votação que é de propriedade do bilionário Todd Boehly, dono do Chelsea, do Dodgers, do grupo que controla a Variety, Deadline e The Hollywood Reporter, além de ter participação em estúdios como A24 e em investimentos em filmes como “Entre Facas e Segredos” e “Em Ritmo de Fuga”, colocou uma garrafa de Liber Pater entre seus mimos para atrair as estrelas hollywoodianas na edição 2024.

Numa das sequências mais absurdas do documentário, Patrik Tkáč, o terceiro homem mais rico da Eslováquia, se dispõe a enviar seu jato particular para Bordeaux para pegar só um passageiro, Pasquet, que deve carregar uma garrafa para degustá-lo ao lado de um Petrus, um dos vinhos mais famosos e caros da história.

Tudo para provar um vinho feito como aquele na época de Napoleão.

Se Ridley Scott soubesse.

O hype não vai parar tão cedo. Löic Pasquet pode até passar uma imagem de humildade e de “vinicultor raiz”, algo apoiado por fazer parte de uma miniconfraria de outros colegas com as mesmas ideias e por abrir as portas da sua vinícola, mas ele está investindo o que ganha.

Recentemente, e isso o documentário não mostra, ele comprou um vinhedo abandonado na ilha de Naxos, na Grécia, para “reviver” outra uva considerada morta, a potamissi. Pasquet já encontrou uma maneira de vender a ideia: “É muito louco que todo mundo foca em Santorini e Assyrtiko, apesar de Naxos ser a ilha onde Dionísio nasceu”.

Contudo, de acordo com a mitologia, Dionísio, deus grego do vinho, nasceu em Icária e fez sua moradia em Naxos.

Quem se importa?

A primeira safra do Tétradrachme já se tornou o vinho grego mais caro no mercado com o preço de 550 euros e apenas 1050 garrafas produzidas.

Por muito menos, cerca de 10 dólares, você pode assistir ao documentário “The Most Expensive Wine in The World” disponível separadamente para compra na Apple TV, Amazon Prime Video e YouTube Premium. Ou pode fazer uma assinatura de 60 dólares e acessar por seis meses a todo o conteúdo da TV Winemasters, especializada em vídeos sobre o mundo dos vinhos.

Saúde.

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