Melhor idade é a… (Minervino Wanderley)

Um belo dia, eu estava numa clínica médica aguardando minha vez (Preferencial, é lógico), e me peguei divagando sobre o tempo. Como ele passa rápido. Um dia desses eu era um menino jogando bola no meio da rua, e agora estou aqui, sendo tratado por “senhor”.

Bem, para meu consolo, ele, o Senhor Tempo, não espera por nada nem ninguém. Extremamente democrático e infalível, segue sua firme trajetória.

Não importa se o vivente é rico, miserável, negro, branco, lindo ou horrível. Passa do mesmo jeitinho para todos. E possui um detalhe marcante: não tem volta.

A vida é como se fosse um show sem ensaios, sem “script” e com estreias a cada segundo. Desde o nascimento até o apito final. O bom da vida é que ela, também de forma igual, é dividida em etapas.

Eu, particularmente, vivi cada estágio dessa passagem por aqui. Fui criança, adolescente, adulto e sempre tive a inquietude como traço principal. Mas sempre fui “gente boa” (dizem) e consegui ultrapassar esses momentos.

Porém, foi aí que me bateu a realidade: estou quase entrando na turma dos setentões. Tem essa fase também.

Na verdade, desde os sessenta que noto que algumas mudanças vêm acontecendo. Elas são mais visíveis no corpo. São verdadeiras mutações. Transformações que parecem coisas de ficção.

Os outrora frondosos cabelos da cabeça começaram a desaparecer e deixaram aparecer uma parte de mim que nunca imaginei ver: uma clareira na antiga floresta. Ainda disfarçada pelos cabelos mais resistentes, mas já bem visível. Fiquei até conformado com esse “desmatamento”. Ora, é natural, é sinal que o tempo passou, etc.

Até ai tudo bem. Mas o problema é que eles renasceram em lugares onde não têm outra finalidade que não seja nos deixar com a aparência, no mínimo, esquisita.

Minhas narinas parecem vassouras de tantos tufos de cabelos que teimam em se mostrar. Tenho que podar quase diariamente. Já as orelhas e sobrancelhas – valha-me Deus! – deixam-me com o jeitão de um lobisomem. Haja cuidado e barbeador.

Imaginam que até nas costas eles apareceram? Deu-me uma sensação de que meu destino é ser uma versão de Tony Ramos.

Isso sem falar nas mudanças de cor. Eram castanhos e brilhantes. Depois foram ficando grisalhos até me darem o formato de um cotonete de uma ponta só.

Já meio puto, achei melhor me levantar e pegar um café. Que besteira que fiz. De pé, escorado numa parede, tive outro choque. Olhei para baixo e não vi “os documentos”. Uma protuberância na altura no saudoso tanquinho cresce a cada dia.

Como pouco, bebo pouco, mas parece que todas as coisas que vão boca adentro combinaram de se reunirem lá. Só para me sacanear. Ficou de um jeito que tenho que recorrer ao espelho para dar uma conferida nas “coisas”. Que situação!

Quero lá saber de porra de melhor idade! Quero meus cabelos de volta, nos seus devidos lugares e com a cor que tinham. Ora! Quero olhar para baixo e ver meus pés numa linha reta, sem esse monte no meio.

Meio desconsolado, resolvi ir ao banheiro só para ver minha expressão. Foi aí que aconteceu um episódio que veio como um bálsamo. Coisa de quem tem fé grande! Vejam:

Um senhor bem mais velho do que eu – isso não tive dúvidas – aproximou-se das pias para lavar as mãos e, do nada, me confessou:

– Rapaz, fui urinar e senti saudade da juventude. Quando eu tinha vinte anos a força do mijo quase quebrava a porcelana do vaso sanitário. Hoje, meu jato mal consegue mexer aquelas bolinhas de naftalina. – ele estava quase chorando.

Com pena dele e pensando no meu futuro, falei que era uma coisa natural, coisa de próstata crescida, tudo de acordo com a idade, etc. E disse pra ele com convicção:

– O “cidadão” tá cumprindo as obrigações com a mulher? Se não estiver, procure um Viagra ou similar que resolve. Com relação à força do jato, olhe pra cima, bote o conta-gotas pra fora e pronto. Isso é besteira, normal na sua idade. – assim como se fosse um jovem aconselhando um coroa.

E, jovem outra vez, saí do banheiro assoviando uma música nova que diz no final “E que tudo mais vá pro inferno!”.

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Comentários (3)

  • Marcia Monteiro Responder

    Parabéns pelo ótimo e verdadeiro texto!

    14 de junho de 2023 at 11:27
  • Roberto Responder

    excelente texto, a vida e bela.

    12 de junho de 2023 at 15:37
  • Marcos Responder

    Olhar para baixo e não ver “os documentos” devido à protuberância adquirida por puro desleixo e preguiça de fazer alguns abdominais é o pior de tudo. Até para lavar é uma dificuldade… Nammm

    12 de junho de 2023 at 10:51

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